Dispa-se de preconceitos: precisamos falar sobre doação de roupas íntimas

Roberta Rodrigues Por Roberta Rodrigues
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Se você torceu o nariz ao ler o título acima, talvez esteja na hora de rever seus conceitos. Embora vigore no senso comum uma espécie de veto tácito à doação de roupas íntimas usadas, o assunto começa a ganhar corpo no mundo. E há algumas razões para isso.  

A primeira delas é a de que, por serem de uso muito pessoal, íntimo mesmo, calcinhas não podem ser doadas, uma vez que poderiam se converter em vetores de microrganismos causadores de doenças. E aqui reside o principal ponto a ser desconstruído – o primeiro tabu a ser quebrado. 

Conforme a médica ginecologista pela Universidade de São Paulo (USP) Mariangela Maluf, doutora em Ciências, as lavanderias industriais conseguem eliminar totalmente eventuais agentes infecciosos que possam estar presentes nas roupas íntimas antes da doação. Assim, após a higienização correta, as peças podem ser doadas sem que ofereçam qualquer risco a quem for receber as doações. 

O segundo aspecto a ser considerado é que as roupas íntimas não precisam chegar ao ponto de se tornarem praticamente inúteis para serem doadas. Pelo contrário: só podem ser doadas se não estiverem nessa situação – para que possam ser recebidas e voltarem a ser utilizadas, têm de estar em condições, inteiras, sem rasgos e com elásticos funcionando. Caso não tenham mais condições de uso, devem ser descartadas, e há locais preparados para isso, bem como campanhas específicas para recebimento de roupas íntimas para descarte. 

Por fim, o terceiro e último – mas não menos relevante – ponto a ser levado em conta é o impacto ambiental do descarte incorreto das calcinhas. A cada ano, cerca de 170 toneladas de lixo são produzidas pelo setor de roupas íntimas do Brasil, segundo Associação Brasileira da Indústria Têxtil. Do total, menos da metade é reciclada.


Local para fazer as doações de peças íntimas (Foto: Reprodução/Divulgação)


Grupo HOPE propõe mudança de mindset 

Com o objetivo de reduzir o seu impacto ambiental e tornar-se a cada dia mais sustentável e solidária, a HOPE criou o projeto Doe Esperança – Lingerie para todas. A iniciativa prevê a arrecadação de calcinhas, sutiãs e pijamas usados, que depois de sua correta desinfecção e higienização serão doados para ONGs, fundações ou entidades religiosas à escolha de cada lojista. Uma das instituições que faz parte do projeto na capital paulista é o Entrega por SP e para a coordenadora da associação, Débora Spitzcovsky, as pessoas muitas vezes não sabem que a roupa íntima pode ser doada e, por isso, é necessário dar visibilidade ao tema. “O projeto da HOPE oferece às mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade a oportunidade de manter uma higiene íntima mais saudável. Aquela peça que está no armário há tempos sem uso, porém em bom estado, pode garantir mais saúde, dignidade e incontáveis sorrisos para quem está em situação vulnerável”, reforça. 

Além de impedir o descarte das peças usadas na natureza, a intenção do projeto é oferecer roupas íntimas em boas condições de uso à população em situação de rua – em razão da falsa premissa de que calcinhas e sutiãs não podem ser doados ou reutilizados, o volume de doações costuma ser muito baixo, fazendo com que estas sejam uma das maiores necessidades dos moradores de rua.       

Segundo a diretora de estilo e marketing do Grupo HOPE, Sandra Chayo, além de ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade, o projeto Doe Esperança propõe uma mudança de comportamento cultural. Assim, ao mesmo tempo em que propicia o aumento do ciclo de vida das peças, a ação visa reduzir o descarte desnecessário, diminuir o lixo descartado na natureza e doar peças essenciais a pessoas que não tem. 

“Queremos mudar o mindset das nossas clientes e mostrar que é possível, sim, doar peças íntimas em bom estado em vez de descartar no lixo comum, picar ou queimar, ainda mais que as nossas peças têm uma longa durabilidade”, explica Sandra. “E, para isso, doaremos as peças para pessoas em situações de vulnerabilidade, mas nosso objetivo é reeducar o pensamento das nossas clientes para que futuramente essa seja uma prática comum.” 

A iniciativa receberá calcinhas, sutiãs e pijamas de todos os modelos, cores e marcas. O projeto já está sendo realizado em 68 lojas em diferentes regiões do país.

Saiba mais 

• Podem ser doados calcinhas, sutiãs e pijamas em bom estado; 

• As peças devem estar com sua função de uso preservada. Por exemplo: um sutiã sem o fecho não funciona mais como um sutiã. Portanto, não é uma peça funcional. 

• Além disso, é importante frisar: doação não é descarte. Assim, as peças precisam estar em bom estado de conservação, sem rasgos e higienizadas. 

 

Foto destaque: Local para doar peças íntimas. Reprodução/Divulgação

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