O presidente Lula vai indicar, nos próximos meses, dois novos ministros para o Superior Tribunal Militar (STM). Esse tribunal vai analisar a perda da patente de Jair Bolsonaro e de outros oficiais das Forças Armadas condenados pelo STF no caso da trama golpista, entre eles os ex-comandantes Paulo Sérgio Nogueira (Exército) e Almir Garnier Santos (Marinha).
Composição do STM e aposentadorias iminentes
Até o fim do ano, dois ministros do STM vão se aposentar ao completar 75 anos: Marco Antônio de Farias, em outubro, e Odilson Sampaio Benzi, em novembro. Assim, o presidente Lula terá indicado quatro ministros no total neste mandato, já que anteriormente escolheu o general Guido Amin Naves e a advogada Verônica Sterman.
O STM tem 15 ministros, todos indicados pelo presidente da República. Entre eles, quatro precisam ser do Exército, três da Marinha e três da Aeronáutica, sempre da ativa e do posto mais alto da carreira. O plenário se completa com cinco civis: três advogados com notório conhecimento jurídico, boa conduta e pelo menos dez anos de carreira, além de dois membros vindos do Ministério Público da Justiça Militar. Todos precisam ser aprovados pelo Senado Federal.
Nos bastidores do Exército, a expectativa é que os processos só sejam analisados pelo STM depois da posse dos novos ministros indicados pelo presidente. Isso porque a perda de patente só pode ser discutida após o fim definitivo das condenações, o que ainda não tem data para acontecer.
Além de Bolsonaro, Nogueira e Garnier, também serão julgados no STM o ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice Walter Braga Netto e o ex-ministro do GSI Augusto Heleno, ambos generais de quatro estrelas.
Julgamento delicado e inédito no STM
O julgamento no STM será delicado e inédito: além do impacto político, pode resultar na perda da patente de dois ex-comandantes das Forças Armadas, algo nunca antes visto, já que é a primeira vez que eles foram condenados pela Justiça Civil.
O Estatuto dos Militares estabelece que qualquer integrante das Forças Armadas condenado pela Justiça Civil ou Militar, com decisão definitiva e pena acima de dois anos, pode perder a patente.
Além de Bolsonaro, Nogueira e Garnier, outros oficiais de alta patente também serão julgados no STM. Augusto Heleno, bem visto no Alto Comando do Exército, comandou a missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti. Já Braga Netto, que perdeu prestígio na Força após as investigações apontarem seu envolvimento na trama golpista contra Lula, foi interventor federal no Rio de Janeiro e chegou a chefiar o Estado-Maior do Exército.
Como foi condenado a dois anos em regime aberto, exatamente no limite previsto pela lei, o tenente-coronel e delator Mauro Cid não será alvo do processo no STM.
Ele pediu baixa do Exército em agosto para passar à reserva. Esse pedido só será analisado pela cúpula em janeiro do próximo ano, mas deve ser aceito por cumprir os requisitos legais. Segundo o advogado do ex-ajudante de ordens, Jair Alves Ferreira, mesmo que não perca a patente, Cid não pretende continuar na carreira militar, pois “não tem mais condições psicológicas de seguir como militar”.
Se for concedida, a aposentadoria marcará um fim melancólico para a carreira de Mauro Cid, que antes do governo Bolsonaro era visto como um talento promissor no Exército e cotado para alcançar a patente de general, assim como seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid. Ainda assim, a saída é bem menos dura do que a perda de patente após julgamento no STM, risco que recai sobre os militares delatados por ele.
Repercussão histórica e comparações com casos anteriores
Embora seja criticado fora da Justiça Militar por uma atuação considerada corporativista, o julgamento terá grande visibilidade devido à repercussão do caso e das pessoas envolvidas.
O cenário é bem diferente da primeira vez em que Bolsonaro foi réu no STM, no final da década de 1980. Na época, ainda capitão da ativa, ele entrou na mira do Exército em 1987 após publicar um artigo na revista “Veja” defendendo o reajuste do soldo militar.
A mesma publicação revelou um suposto plano de Bolsonaro, então futuro presidente, que envolveria explosões na Vila Militar, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em quartéis e em uma adutora do Rio Guandu, principal fonte de abastecimento de água do Rio de Janeiro, como forma de pressionar a cúpula do Exército.
O caso chegou ao STM, que, após longas discussões sobre a autoria dos documentos e a veracidade da reportagem, absolveu o capitão por nove votos a quatro. No ano seguinte, Bolsonaro foi eleito vereador do Rio pelo PDC e passou para a reserva. Trinta anos depois, chegou ao Palácio do Planalto.
