“Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”, diz Rita Lee em sua autobiografia

Lívia Mendes Por Lívia Mendes
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A cantora Rita Lee, que morreu nesta segunda (8) em São Paulo, aos 75 anos, não omitiu os fatos polêmicos da sua vida e carreira em seu livro “Rita Lee: Uma Autobiografia” lançado em 2016 pela Globo Livros. Em sua autobiografia, a cantora falou sobre o seu aborto, seu envolvimento com drogas e também sobre a violência sexual que sofreu aos seis anos de idade. 

 


Rita Lee revisando sua autobiografia. Foto: Divulgação


Rita Lee Jones nasceu em 1947, no bairro da Vila Mariana em São Paulo. É a terceira filha de pai norte-americano e mãe brasileira, por isso o sobrenome Lee Jones. Em seu livro, Rita Lee fala sobre sua infancia em São Paulo:”Dizem que eu era feliz e sabia…, viajava na modernidade das cinco mulheres geniais que me cercavam: Chesa, minha iluminada mãe; Balú, minha fada madrinha; Carú, minha bela irmã adotiva italiana; Mary Lee e Virgínia Lee, minhas duas hilárias manas de sangue. Esse harém desvairado estava sob o comando de Charles, meu pai...”. E claro, também fala sobre os seus três filhos: Beto, de 45, João, de 43 e Antônio, de 41, e seu marido, Roberto de Carvalho. 


Rita Lee, seu marido e filhos. Foto: Divulgação.


Em sua autobiografia, Rita Lee narra a violência sexual que sofreu. 

 “Um dia a máquina de costura Singer de Chesa [mãe dela] engasgou e veio um técnico da firma. Me contaram que eu brincava no chão da copa enquanto minha mãe mostrava pro cara onde a coisa estava enguiçada. O telefone tocou, ela saiu para atender. Quando voltou, me encontrou sozinha no mesmo lugar, olhando petrificada para o cabo de uma chave de fenda enfiada fundo na minha vagina, de onde escorria uma gosma vermelha” 

“O f#lh$ da p@ta do técnico fez aquilo e sumiu do mapa. Foi o grito alucinante da minha mãe que me tirou o torpor e, vendo ela se desesperar, eu abri mó berreiro também. Não lembro de ter sentido dor, nem do que aconteceu em seguida, certamente deletei esse capítulo. Só sei que desse dia em diante as mulheres olhavam pra mim como a pequena órfã. A dor delas certamente foi muito, mas muito maior do que a minha. Chesa, Balú e Carú guardaram a tragédia como o grande segredo do fim do mundo de todos os tempos”, recordou. 

Leia abaixo, alguns trechos do seu livro: 

De ‘mutante à mediante’

“Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante. Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo. Se o passado me crucifica, o futuro já me dará beijinhos. Enquanto isso, sigo sendo uma septuagenária bem‑vivida, bem‑experimentada, bem‑amada, careta, feliz e… bonitinha. Lucky, lucky me free again*.”   

Sexo sem parar

“O casal de coelhos R & R continuava firme e forte. A graça era transar em locais inusitados, de banheiros de avião a praias desertas, de banheiras de espuma a escadas de incêndio, de elevadores de serviço a camarins de shows. Com essa bagagem erótico‑musical, partimos para um novo disco, o Lança perfume, a consagração total das nossas parcerias, cada vez mais autobiográficas. Éramos crème de la crème para voyeurs auditivos, com os sugestivos ‘me vira de ponta cabeça, me faz de gato e sapato, me deixa de quatro no ato, me enche de amor…’, ‘Misto-quente, sanduíche de gente, empapuçados de amor…’ e ‘Me deixar levar por um beijo eterno, mais quente que o inferno’. E assim caminhava a paixonite sem pudores de dois famintos diante de pratos cheios de sedução, mergulhados na gula da paixão.” 

Dor no coração 

“Mergulhados na estrada, Rob e eu perdemos algumas gracinhas dos meninos tipo primeiro dentinho, primeiro passinho, primeiro ‘mamã‑papá’. Doía no coração. Quando Beto estava com cinco anos, Juca com três e Tui com um, tentamos carregá‑los numa turnê junto com Balú. Misturar filhos à loucura que rolava em shows não era lá muito saudável, se é que me entendem. Para compensar nossa ausência física enquanto estavam em aula, os destinos de nós cinco nas férias eram sagrados: São Paulo‑Manaus, Manaus‑Miami, Miami‑Caribe. Primeiro mostrar a eles o Brasil belo e selvagem, depois um rolê nas magias da Disney e, por fim, o paraíso das praias caribenhas de mar azulzinho e areias brancas.” 

Aborto 

“Nenhuma mulher faz aborto sorrindo. Cabe a elas, e somente a elas, a decisão de interromper uma gravidez, assim como de segurar sozinhas as consequências moral, espiritual e oskimbau.  […] Aborto não é uma mutilação no corpo da mulher. (…) Parir e abandonar o bebezinho numa lata de lixo é criminoso. Parir e pôr para adoção é irresponsavelmente confortável. Parir e criar em condições sub-humanas é indigno.” 

Drogas 

“(…) desembarquei no aeroporto de São Paulo com um mimoso colar de muitas voltas feito com ‘miçangas’ de pedrinhas de LSD coladas pacientemente uma a uma num cordãozinho de algodão. Dessa vez passei invisível pela alfândega. A ideia da nossa ‘família’ era vender a muamba, dobrar o capital investido e partir em nova aventura. Aconteceu que eu, a muambeira, consumi metade do estoque, a outra foi distribuída entre os frequentadores das festinhas de arromba na casa de Guarapiranga, point da crazy people da Pauliceia, com aquela cena manjada de gente desbundada amanhecendo pelos quatro cantos da casa. (…) Soube que muitos piraram de vez, tipo achar que é passarinho e se atirar do prédio. Hay que tener cojones para receber revelações espirituais e permanecer calmo. As ‘pedrinhas’ do meu tempo tinham zero anfetamina. Quando o psicodélico batia transformando a existência num caleidoscópio de consciência infinita, o ego despertava do mundo da ilusão dando de cara com o realismo fantástico do Higher Self, onde um mero grão de areia te explicava o omniverso. E você lá de alegre só sendo Deus. Aliás, desde que me decepcionei com religiões não sentia a presença do Divino tão acachapante. LSD não é para maricas materialistas.” 

Morte 

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia (…) Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk‘. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. (…) Epitáfio: Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.

Em 7 de maio, a cantora anunciou o lançamento de uma nova obra, “Outra Autobiografia”. Seu novo livro será lançado em 22 de maio.


Rita Lee anuncia “Outra Autobiografia”. Foto: Reprodução/Instagram


A obra “Outra Autobiografia” faz referência ao “Rita Lee: Uma autobiografia”, lançado em 2016. A cantora havia escolhido a data de lançamento por ser o dia de santa Rita de Cássia

Foto Destaque: Reprodução/Divulgação

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