No auge de sua estrondosa carreira internacional de modelo, e de meio expediente it girl – antes mesmo dessa nomeação existir – Kate Moss surgiu publicamente, na nebulosa e intoxicante indústria fashion da década de 90, e afirmou “Estampa de oncinha é tom neutro”. Mal sabia a britânica, que sua defesa da estampa cool, ainda prorrogaria atualmente, com a volta do embate de amor e ódio que a estampa (em termos mais chiques, conhecida como animal print), mais uma vez protagonizaria, agora em meio a geração Z.
Ainda não se tem registros de nenhuma fashionista na história que tenha alcançado um meio-termo nesse embate. A oncinha é tradicionalmente polêmica, e talvez por isso seja tão emblemática, com lugar cativo no hall da fama de estampas atemporais. Mas, para além do ame ou odeie, é inegável que esse statement da moda é cheio de história e significados, já que tecidos com estampas animais são datados desde Antigo Egito, passando pela corte francesa do século XVI, e aterrissando em 2024 com ímpeto e força que só ícone alcançam.
Um suspiro questionador do conservadorismo minimalista
Os últimos momentos no cenário da moda foram dominados por estéticas mais conservadoras, desde old money, herdeiro do preppy, vangloriador de cores claras e logos de luxo minimalistas, até o clean girl e sua estética de beleza natural e sem esforço, dificilmente alcançada pela maioria da população. O fato é que se notou uma onda entre as gerações mais novas, acorrentadas as tendências difundidas em redes sociais, como o TikTok, de uma espécie de conservadorismo de estilos, resultando em um esgotamento mundial de individualidade e personalidade, refletido vice e versa nas principais passarelas do calendário internacional.
Foi só quando um recente revival dos seriados dos anos 1990 trouxe um suspiro de reviravolta. Segundo Vanessa Hikichi, Senior Account Manager e Trend Expert na WGSN, em entrevista para Glamour, o apoio de jovens ao movimento nostálgico das telinhas, impactou diretamente nas tendências de moda, impulsionado, pelo já mencionado TikTok, resultando em um aumento de cerca de 200% na pesquisa no Google por “Cheetah print” (também lida como leopardo e chita, mas conhecida em solos brasileiros como oncinha).
O fluxo ganhou nome e o retorno do “indie slaze” foi consagrado como última tendência, levando como maré, além do brilho, couro, cabelos bagunçados e maquiagens borradas, a oncinha de volta às passarelas – como a coleção de outono-inverno 2023/2024 da Dior, onde a print foi uma das protagonistas.
Mesmo com o aval fashion das maiores maisons internacionais, a padronagem ainda enfrenta o estigma velho conhecido de cafona e vulgar. Talvez, ainda demore, para assim como floral, que entrega feminilidade e romantismo, com visual exagerado e gritante, que oncinha possa deixar de lado a negatividade, e começar a ser enxergada como sinônimo de mulher forte, energética e sexy.
História em muitas camadas
Se hoje existe um fã-clube para estampa felina, todos os méritos recaem no francês Christian Dior, primeiro estilista a desafiar os padrões colocando-a na passarela, já como tecido e não pele animal. Em sua coleção Monsieur Dior – Alta-Costura Primavera-Verão 1947, foi lançada uma peça, que posteriormente, se tornaria ícone da marca, a estampa de leopardo batizada de Mizza, em homenagem à musa Mizza Bricard.
Casaco Dior, 1947 (Foto: reprodução/Savitry/Getty Images Embed)
Nos Anos Dourados, por volta de 1940, a estampa ganhou outra versão e foi eternizada nas figuras sensuais das pin-ups. Seu retorno veio de maneira tão abrupta e contra-hegemônica quanto o cenário que se configurava, pós-movimento hippie de amor e paz dos anos 1960, a década de 70 marcou a rebeldia de uma juventude mergulhada no universo punk e pelo glam rock, com David Bowie e Debbie Harry como maiores ícones fashion.
Banda de glam rock, The New York Dolls, com peças e acessórios de animal print (Foto: reprodução/Michael Ochs Archives/Getty Images Embed)
As décadas seguintes, de 80 e 90, marcaram o apogeu da estampa no high-fashion. A oncinha retornou, mais uma vez, às passarelas e teve seu auge sob comando de casas como Versace, Roberto Cavalli e Dolce & Gabbana, instigando e caminhando na corda bamba entre cool e cafona. E, pelo que parece, até hoje a estampa continua a desafiar os olhares mais treinados e sempre chegar “chutando a porta”, recriando o mundo da moda, mais uma vez.