Do choque à interpretação: como o jeans e a polêmica caminham juntos
O jeans sempre carregou uma dose de rebeldia na costura. Desde as primeiras campanhas ousadas, o tecido se tornou mais que uma peça de vestuário: virou um palco para provocações, sensualidade e mensagens que, direta ou indiretamente, cutucavam a moral vigente. Mas em 2025, o cenário mudou. A última polêmica envolvendo a American Eagle e […]
O jeans sempre carregou uma dose de rebeldia na costura. Desde as primeiras campanhas ousadas, o tecido se tornou mais que uma peça de vestuário: virou um palco para provocações, sensualidade e mensagens que, direta ou indiretamente, cutucavam a moral vigente. Mas em 2025, o cenário mudou. A última polêmica envolvendo a American Eagle e a atriz Sydney Sweeney mostra que, se a intenção da marca era provocar, quem determina o impacto da mensagem agora é o público.
Na campanha, a insinuação sobre os “genes” da atriz acabou soando para muitos como um elogio à “superioridade estética” associada a um padrão de beleza branco e excludente. O trocadilho perdeu o ar de esperteza publicitária e foi interpretado como racismo. O episódio revela como, no ambiente hiperconectado, qualquer mensagem pode ser amplificada, ressignificada e julgada em questão de minutos, e nem sempre a favor da marca.
Provocar sempre fez parte da estratégia
Historicamente, as campanhas de jeans sempre exploraram a polêmica como ferramenta de impacto. Em 1979, a Ellus colocou modelos trocando de roupa embaixo d’água ao som de Rita Lee. Na década seguinte, Brooke Shields, para a Calvin Klein, insinuou estar sem calcinha ao declarar: “Não existe nada entre mim e o meu Calvin”. A Levi’s quebrou padrões com o comercial “Laundrette”, em que um homem se despia numa lavanderia ao som de Marvin Gaye. A Guess levou a sensualidade ao limite com Anna Nicole Smith.
Comercial de jeans Calvin Klein de 1980 com Brooke Shields (Vídeo: reprodução/Archive.org)
Nos anos 90 e 2000, a Diesel transformou a publicidade em manifesto, misturando beijos homoafetivos, críticas sutis ao consumismo e uma estética tão comentada quanto questionada. Essas campanhas funcionavam porque, naquele contexto, a narrativa era controlada pela marca e a repercussão dependia muito mais da mídia tradicional.
Do controle ao risco
Hoje, a rebeldia ainda é parte do apelo do jeans, mas o jogo de forças é outro. As redes sociais criaram uma arena em que qualquer frase, imagem ou insinuação é imediatamente decodificada, remixada e redistribuída por milhões de pessoas. Nesse cenário, a intenção original perde importância, o que importa é como a mensagem é percebida.
O caso da American Eagle é um lembrete de que a linha entre provocar e ofender nunca foi tão fina. E se, no passado, o choque pelo choque rendia manchetes e vendas, agora pode render boicotes e danos duradouros à imagem.
O jeans continua sendo sinônimo de juventude e contestação, mas para permanecer relevante, talvez seja hora de as marcas aprenderem que, em tempos de narrativas coletivas, provocar exige mais do que ousadia, exige consciência.
