BRASÍLIA – Menos de 24 horas após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), por 10 votos a 1, a oito anos e noves meses de prisão em regime fechado, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto através do qual perdoa o parlamentar pelos crimes cometidos. A decisão consta de decreto publicado na tarde desta quinta-feira (21) em edição extra do Diário Oficial da União.
Silveira é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais a ministros do STF em três ocasiões, de incitar o emprego de grave ameaça e violência para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e de estimular animosidades entre as Forças Armadas e a Corte.
A decisão de Bolsonaro foi vista como um aceno à ala bolsonarista mais radical, que ficaram em polvorosa com o placar final do julgamento do STF. A concessão do indulto foi estudada com técnicos da Advocacia-Geral da União (AGU), segundo apurou a reportagem, e entrou no radar do presidente há cerca de duas semanas, ainda quando a sessão para deliberar sobre o caso de Silveira estava apenas marcada.
Antes mesmo de o julgamento começar, na última quarta-feira (20), um rascunho do decreto em que Bolsonaro concederia o perdão a Silveira já estava pronto. Horas antes de anunciar a decisão, o presidente avisou a ministros palacianos e auxiliares próximos que o decreto seria publicado ainda nesta quinta-feira (24).
“A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz o decreto. “A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos da Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos”, conclui.
Em tese, Daniel Silveira estaria livre de ser encarcerado e ainda poderia concorrer às eleições deste ano. No radar do ex-PM está a disputa por uma cadeira no Senado pelo Rio de Janeiro. Com a condenação, Silveira viu seu sonho ruir – nos bastidores, deputados bolsonaristas articulavam o nome da advogada Paola Daniel, esposa do parlamentar, para substitui-lo na disputa.
O decreto afirma que a medida foi tomada considerando, entre outros pontos, “que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.
Parlamentares ouvidos pela In Magazine afirmaram que o decreto editado por Bolsonaro estica a corda, se constitui de uma “afronta” e pode abrir uma nova crise entre o Palácio do Planalto e o STF. O líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), disse à coluna que entrará com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) na Corte questionando o indulto.
O indulto é uma forma de perdão de crimes e está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo ao presidente da República concedê-lo por meio de decreto.
A avaliação dentro do Supremo é de que o decreto será questionado na Corte e os ministros terão de se debruçar sobre o tema. Há temor de que uma eventual decisão desfavorável acirre ainda mais a guerra fria travada entre Bolsonaro e o STF, mais especificamente o ministro Alexandre de Moraes.
Advogada e pesquisadora de Supremo Tribunal Federal, a professora de Direito da FGV-SP Eloísa Machado disse à In Magazine que o indulto concedido poderá voltar ao STF e ter sua constitucionalidade analisada, mas, segundo ela, trata-se de mais um processo de desgaste entre os Poderes.
“O indulto concedido a Daniel Silveira poderá voltar ao STF e ter sua constitucionalidade analisada. Mas nada disso é sobre direito. É sobre corrosão constitucional e desgaste democrático que o presidente [Jair Bolsonaro] promove desde que assumiu seu mandato”, pontua.
REAÇÕES NO MUNDO POLÍTICO
Desde que o perdão foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro, parlamentares se manifestaram nas redes sociais favorável e contrariamente à decisão. Partidos políticos como o PDT, de Ciro Gomes, e o PSOL, irão ao STF questionar o indulto.
Deputado Federal pelo PSB do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo disse que o indulto “é uma afronta ao Poder Judiciário e ao Estado Democrático de Direito”. Freixo afirmou ainda que Bolsonaro usa o cargo de presidente para “estimular a violência e a apologia ao golpe”.
Vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM) pontuou em seu perfil no Twitter que Bolsonaro “gasta suas energias com a prisão de um deputado” enquanto o cidadão busca emprego, comida e condições para pagar o gás de cozinha e a conta de energia.
“Ao final quem perde nessa história toda é o cidadão que busca comida, emprego, que não consegue comprar o gás, nem pagar a conta de energia e assiste incrédulo o Presidente esquecendo essas urgências e gastando as suas energias com a prisão de um deputado”, escreveu Ramos.
Aliados do governo comemoraram o indulto dado a Silveira. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) comentou que a decisão de Bolsonaro é boa “para a democracia e para a harmonia e equilíbrio entre os Poderes, também consagradas na constituição”.
Na mesma linha, o deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO) parabenizou o mandatário pelo chamou de “coragem e determinação em proteger nossa liberdade e nossa democracia” e alfinetou opositores ao governo. “Qdo a oposição joga fora das 4 linhas, está “defendendo a democracia”. Qdo a direita reage com base em prerrogativas constitucionais, trata-se de um golpe. Eles têm método e coordenação; só que estão cada vez mais desmascarados e expostos”, criticou.
Pré-candidatos à presidência da República na sucessão de outubro próximo também repudiaram a “graça constitucional” dada ao parlamentar bolsonarista. Ex-governador de São Paulo, João Dória (PSDB) disse que, em um eventual governo, “não haverá indulto a condenados pela justiça”. E completou: “Também vou acabar com a “saidinha de presos”. A sociedade não aguenta mais a impunidade”.
Segundo Ciro Gomes, presidenciável pelo PDT, Bolsonaro está “acostumado a agir em território de sombra entre o moral e o imoral, o legal e o ilegal” e que, com a decisão de conceder indulto a Silveira, o mandatário “acelerar o passo na marcha do golpe”.
“Seu ato espúrio de favorecimento absurdo e imoral a Daniel Silveira, ou qualquer outro tipo de desvio autoritário, serão rechaçados pelos defensores do estado de direito. Amanhã o PDT entrará com medida no STF para anular mais este desatino”, pontuou Ciro.
André Janones, que tem a pré-candidatura ao Planalto patrocinada pelo Avante, afirmou que “quase metade dos brasileiros hoje estão vivendo em situação de insegurança alimentar, mas o presidente não trabalha pra essas pessoas, ele não trabalha pelo Brasil, ele só age pra se salvar e salvar seus aliados”.
OAB SE MANIFESTA
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestou sobre o decreto presidencial através do qual Daniel Silveira recebeu o perdão de seus crimes. Em nota, a Ordem diz que “acompanha atenta e com preocupação os últimos fatos envolvendo a relação entre a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal”.
O presidente da OAB, Beto Simonetti, solicitou que a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais analise, com a urgência que o caso requer, o decreto de graça constitucional editado pelo Poder Executivo.
“Assim que estiver concluído, o parecer da Comissão será submetido, imediatamente, para deliberação do plenário da OAB, órgão máximo de deliberação da instituição, em sessão extraordinária”, afirma Simonetti.
COM A PALAVRA, DANIEL SILVEIRA
Desde que o indulto presidencial foi publicado, a In Magazine tenta contato com a defesa do deputado Daniel Silveira, que não tinha se manifestado até o momento de publicação da reportagem.
Foto destaque: Daniel Silveira e Jair Bolsonaro. Reprodução/CNN Brasil