Diretora de ONG; diz que mulheres negras estão á “deriva”

Edson Barbosa Por Edson Barbosa
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Foi notado pela diretora do Quilombo Casa Akotirene, Joice Marques, que desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, ouve-se uma diferença no tipo de público que procurava sua organização, localizada no bairro Ceilândia Norte, no Distrito Federal.

Funcionando desde 2018, quando foi inaugurada, a casa começou os trabalhos com foco em atividades culturais que eram voltadas para a comunidade – que é em sua maioria negra.

Porém, com o inicio da pandemia, diz Joice, que também é produtora cultural e educadora, moradores da região passaram a procurar a casa em busca de ajuda para acessar alimentos e itens de higiene pessoal.

E mesmo com a queda no desemprego – em maio, o país registrou a menor taxa desde o trimestre encerrado em janeiro de 2016 –, a Casa Akotirene segue arrecadando e doando alimentos. De acordo com a diretora, a maior parte das famílias atendidas são chefiadas por mulheres negras que são mães solo.


Mulheres e crianças participam de atividade no Quilombo Casa Akotirene, em Ceilândia (DF). (Foto destaque: Divulgação/Site G1)


De acordo com pesquisa da Rede PENSSAN, a cada 10 lares chefiados por mulheres ou por pessoas negras de ambos os gêneros, 6 têm algum tipo de restrição de acesso a alimentos.

São realidades bem duras. São mães de quatro, cinco crianças, algumas delas são crianças especiais, mas falta creche, atenção à saúde, educação, emprego e renda. A gente tem buscado potencializar a oferta de cursos, atividades de formação e capacitação para romper essa estrutura”, explica.

Para Joice, as mulheres negras “hoje se encontram nesse lugar muito à deriva, nessa corda bamba”. No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado nesta segunda-feira (25), os dados mostram que o que Joice percebeu na prática se reflete nas estatísticas.

Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), a cada 10 lares chefiados por mulheres ou por pessoas negras de ambos os gêneros, 6 têm algum nível de insegurança alimentar, de acordo com a pesquisa. Entre famílias chefiadas por homens, independentemente de raça, o índice é de 53,6%; entre lares chefiados por pessoas brancas, é de 46,8%.

Segundo um estudo da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, as mulheres negras que têm ocupações na base do mercado de trabalho foram o segmento da sociedade que mais morreu de Covid-19 em 2020.

O levantamento, capitaneado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), foi feito nos 26 estados e no DF, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Foram entrevistados 35.022 indivíduos em 12.745 domicílios, entre novembro de 2021 e abril de 2022.

As mais afetadas pela recessão gerada pela pandemia, foram as mulheres negras– mais presentes em setores não essenciais e sem vínculos formais de trabalho, muitas delas perderam parte significativa de sua renda durante a pandemia.

As taxas de desocupação e de subutilização (situação em que a pessoa trabalha por menos horas do que gostaria) deste grupo, por exemplo, são maiores do que as verificadas entre mulheres não negras, segundo dados da PNAD Contínua do 2º trimestre de 2021, do IBGE, analisados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em rendimentos médios no mesmo período, as mulheres negras recebiam 46,6% da remuneração de homens não negros.

A insegurança alimentar, é uma das consequências desses fatores.

A economista e titular da cátedra Josué de Castro da USP, Tereza Campello, entende que os efeitos negativos da pandemia sobre fatores como renda, acesso a empregos e a políticas públicas têm sido mais graves entre pessoas negras, mas ressalta que a situação de maior vulnerabilidade das mulheres negras não é nova.

Piorou muito [a situação das mulheres negras], mas já era uma característica da situação da fome no Brasil em outros momentos da história”, pondera.

 

(Foto destaque: Reprodução/GitoMareto/Agência O Globo)

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