Isolado no PSDB, Dória desiste de candidatura e abre espaço para Tebet ser nome da terceira via ao Planalto

Wendal Carmo Por Wendal Carmo
15 min de leitura

A novela envolvendo rumorosos embates no PSDB chegou ao fim nesta segunda-feira (23). O ex-governador de São Paulo, João Dória, retirou sua pré-candidatura à presidência da República após uma crise que rachou o tucanato ao meio. Com a renúncia, a senadora Simone Tebet (MDB) ganha mais força para representar a chamada ‘terceira via’ na disputa pelo Palácio do Planalto.

“Entendo que não sou o candidato da cúpula do PSDB, e aceito. Sempre busquei e continuarei buscando o consenso, ainda que ele seja contrário a mim. Saio de coração ferido e de alma leve”, disse o ex-governador durante pronunciamento – que estava acompanhado da esposa, Bia Dória, do presidente nacional da legenda, Bruno Araújo, e de aliados.

A decisão de abdicar da disputa teria sido tomada no domingo (22). Dória conversou com o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, e com seus familiares. No diálogo com o aliado, Garcia foi objetivo e afirmou que a candidatura de Dória atrapalharia seu projeto de reeleição, o que poderia pôr fim à dinastia de 28 anos dos tucanos no estado.

“O Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos. Que não querem aquele que foi envolvido em escândalos de corrupção. E nem aquele que não deu conta de salvar vidas, não deu conta de salvar a economia e que envergonha nosso país em todo o mundo”, destacou.

Dória é o oitavo nome da terceira via a desistir da disputa somente neste ano. Em novembro passado, ele havia vencido o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do partido. Nomes como Luciano Huck, Alessandro Vieira, Luiz Henrique Mandetta (UB), Sérgio Moro (UB) e Rodrigo Pacheco (PSD) também abdicaram de suas pré-candidaturas.


Com desistência de Dória, Simone Tebet ganha força para representar terceira via na disputa ao Planalto. (Foto: Reprodução/SBTNews)


O tucano vivia um inferno astral dentro do próprio partido para tentar manter de pé sua pré-candidatura à presidência. Dória não contava com o apoio nem de Araújo, que chegou a coordenar a campanha do ex-governador paulista, mas foi destituído da função após atritos. Paralelamente às rusgas, existiam negociações entre PSDB, MDB e Cidadania para escolha de um nome para representar a chamada ‘terceira via’.

Nos últimos dias, o grupo anunciou a estratégia que definiria este nome: a contratação de uma pesquisa prévia para identificar o nome com menor rejeição. O resultado já havia apresentado internamente, mas a sinalização era de que Tebet fosse escolhida com base na alta rejeição de Dória.

A manutenção da pré-candidatura do ex-governador paulista rachou o tucanato. Enquanto uma ala defendia Dória com o argumento de que sua atuação no combate à pandemia fora essencial para mostrar um legado, outra parte pedia pela empreitada de Tebet. No PSDB ainda existem os que querem uma candidatura própria do partido, que não seja Dória e tampouco defendida no grupo da terceira via – o nome de Leite encontra eco nesta defesa.

Com a falta de apoio, o tucano ameaçou desistir da disputa em março, ao mesmo tempo em que implodiria o palanque em São Paulo. Dória chegou a avisar aliados de que ficaria no governo paulista, movimento que, em tese, significaria uma desistência – para concorrer à presidência, seria preciso abdicar de cargos públicos. No mesmo dia, porém, ele voltou atrás e formalizou a renúncia. O movimento foi visto por tucanos como uma estratégia para garantir que o PSDB reafirmasse seu nome.

 

Leia abaixo a íntegra do pronunciamento do ex-governador de São Paulo João Dória, ao qual In Magazine teve acesso:

Boa tarde a todos.

Esse é um pronunciamento importante. Hoje é um dia de respostas, mas também um dia de perguntas. As pessoas sempre me perguntam por que eu deixei uma vida de conforto à frente das minhas empresas bem-sucedidas para entrar na política?

Sou filho de um político cassado pelo golpe militar de 64. Meu pai, tal como eu, começou a vida pobre, mas lutou, trabalhou e alcançou uma vida confortável, dono de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Até o dia que decidiu lutar por um Brasil melhor, inspirado por Franco Montoro.

Nele, era urgente a necessidade de servir ao povo brasileiro, de combater a desigualdade e a injustiça social. Doria, meu pai, foi eleito deputado federal e, em abril de 64, foi cassado pelo golpe militar. Perdeu seus direitos políticos, todos os seus bens e foi obrigado a viver no exílio. Dois desses 10 anos de exílio, eu, meu irmão, Raul, e minha mãe, Maria Silvia, estivemos ao lado do nosso pai.

Inspirado pelos seus ideais e também motivado por Franco Montoro colaborei desde cedo com a vida pública. Com Mário Covas, fui Secretário de Turismo de São Paulo. Por conta de uma gestão bem sucedida, fui convidado a presidir a Embratur, emblematicamente criada por um projeto de lei de autoria de meu pai na Câmara. Como militante e ativista, organizei, a pedido de Franco Montoro, o histórico comício das Diretas Já em 25 janeiro de 1984, aqui em São Paulo.

Com dedicação e trabalho, construí uma carreira sólida na iniciativa privada e coloquei de pé um grupo empresarial de sucesso. Em 2015, marcava o auge de uma recessão brutal que dizimou empregos, levou a inflação às alturas e destruiu sonhos. Nada muito diferente do que enfrentamos hoje. Inconformado, acompanhava as medidas econômicas de um governo incompetente e o desvio de dinheiro público.

Em 2016, seguindo os passos de meu pai, decidi disputar uma eleição. No PSDB, participei de três prévias: para prefeito, para governador e para presidente da República. As três únicas prévias na história do partido. Venci as prévias em 2016. E, logo depois, venci as eleições para a prefeitura da maior cidade do país em primeiro turno. Fato inédito na história política de São Paulo.

Guardo as melhores lembranças da prefeitura e guardo as melhores lembranças do meu amigo Bruno Covas. Tenho orgulho de ter zerado a fila de exames nos postos de saúde, com o inédito Corujão da Saúde. Atendemos a população em situação de rua com os Centros de Acolhimento, recuperamos praças, avenidas e ruas. Promovemos a maior inclusão de crianças desassistidas no redimensionamento das creches e escolas municipais. Lançamos os programas de concessão do Parque do Ibirapuera, do Pacaembu e do Anhembi, entre outras conquistas importantes para a cidade.

Em 2018, novamente disputei e fui vitorioso nas prévias do PSDB para a eleição a governador do Estado de São Paulo. Mais uma vez, vencias prévias e venci as eleições, sendo eleito governador de São Paulo.

Tenho orgulho de ter feito uma gestão transformadora no estado, reconhecida até mesmo por adversários. Diante do desafio histórico da pandemia, me empenhei pessoalmente para trazer ao Brasil 124 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. Procurei fazer o certo. Salvamos vidas e a economia.

Na pandemia, São Paulo cresceu 5 vezes mais do que o Brasil, gerando um terço de todos os novos empregos do país. Por todo o território nacional, a vacina foi sinal de esperança, salvando milhões de brasileiros. Vencemos com a ciência, os discursos do ódio, das fake news e o negacionismo.

Assim como na saída da prefeitura, quando deixei o comando da cidade nas mãos do saudoso Bruno Covas, desta vez também deixei o governo de São Paulo em boas mãos. Rodrigo Garcia está levando em frente um trabalho que começou com uma equipe de craques . E que, certamente, lhe renderá a vitória nas eleições desse ano. Rodrigo será reeleito governador de São Paulo.

Em dezembro do ano passado disputei as prévias do partido para ser candidato a presidente da República e, mais uma vez, as venci.

Fica aqui minha gratidão aos brasileiros da cidade de São Paulo que me deram mais de 3 milhões de votos na prefeitura. E aos quase 11 milhões de votos ao governo de São Paulo. E aos mais de 17 mil militantes do PSDB que me escolheram como candidato a presidente do Brasil.

Agradeço também aos mais de 6 milhões de brasileiros que, nas pesquisas de opinião pública, já se manifestaram a intenção de votar no meu nome para presidente antes mesmo do começo da campanha eleitoral.

O Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos. Que não querem aquele que foi envolvido em escândalos de corrupção e nem aquele que não deu conta de salvar vidas. Não deu conta de salvar a economia e que envergonha nosso país em todo mundo.

Para esta missão, coloquei meu nome à disposição do partido. Hoje, nesse 23 de maio, serenamente entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o consenso , o diálogo, o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal.

O PSDB saberá tomar a melhor decisão do seu posicionamento para as eleições desse ano. Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido, de missão bem realizada. Com boa gestão e sem corrupção.

Saio com o sentimento de gratidão e a certeza de que tudo que fiz foi em benefício de um ideal coletivo em favor dos paulistanos, do paulistas e dos brasileiros. Saio como entrei na política: repleto de ideias, com a alma cheia de esperança e o coração pulsante. Confiante na força do povo brasileiro que tem fé na vida e fé em Deus.

Peço desculpas pelos erros. Se me excedi foi por vontade de acertar. Se exagerei foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei foi pela urgência que as ações públicas exigem. Os acertos foram frutos do trabalho em equipe. Da ousadia e da coragem e do propósito que sinto em perseguir. Sempre, sempre fazer bem feito o que tem que ser feito. Respeito e trabalho. Fazer do possível o impossível. Esse é meu mantra e levo por onde eu for.

Agradeço a minha equipe aguerrida, aos membros do partido que sempre me defenderam, aos que lutaram ao meu lado, que foram leais e defenderam a democracia interna do partido e defendem como eu a liberdade e igualdade no Brasil.

Agradeço também aos colaboradores que estiveram comigo na prefeitura e no governo do estado. Que se empenharam pelos resultados históricos. Que juntos alcançamos. Agradeço também aos militantes do PSDB, extraordinários guerreiros que nunca me abandonaram. Agradeço a Deus pela disposição que sempre me deu. Pela capacidade de trabalho, senso de justiça e paz no coração.

Agradeço igualmente à minha família, à Bia e aos meus queridos filhos Johnny, Felipe e Carolina, e ao meu querido irmão, Raul, que aqui está ao lado da Bia, minha esposa. Eu tenho uma linda família, quero preservar essa família.

Agradeço também a todos os verdadeiros amigos que sempre me apoiaram em todas, em todas as minhas decisões. Por fim, relembro aqui o belo poema atribuído a Cora Coralina: ‘Tem mais chão os meus olhos do que o cansaço das minhas pernas. Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça’.

Seguirei. Seguirei como observador sereno do meu país. Sempre à disposição para lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil.

Muito obrigado. Até breve.

 

Foto destaque: João Dória desiste de pré-candidatura ao Palácio do Planalto. Reprodução/G1

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