A ex-senadora e ambientalista Marina Silva (Rede), de 64 anos, voltará a assumir o Ministério do Meio Ambiente, mais uma vez em um governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Marina exerceu o cargo como ministra entre os anos de 2003 e 2008, durante o todo primeiro mandato e parte do segundo governo de Lula, e teve uma conturbada saída do ministério, além de um desgaste com líderes do PT, seu partido de origem.
Apesar disso, o cenário, que será encontrado por ela no Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas (o novo nome da pasta a partir de janeiro), é completamente diferente, após o desmonte das políticas ambientais, promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). O enfraquecimento da fiscalização, nos últimos anos, resultou em um empoderamento do crime na Amazônia, com aumento na exploração de ouro em terras indígenas, grilagem de terras e esquemas de madeira ilegal, além de organizações criminosas articuladas.
“No ministério, Marina terá a missão de ser ela mesma — a articuladora que se cercou de quadros técnicos e que soube usar sua influência política no passado para fazer avançar debates difíceis, como a meta de reduzir a taxa de desmatamento e a adoção de compromissos climáticos pelo Brasil. Porém, o país de 2023 é completamente diferente do de 2003, e a nova ministra também precisará ser distinta da Marina de duas décadas atrás para dar conta dos desafios”, afirmou o Observatório do Clima, uma rede que reúne dezenas de organizações socioambientais, após o anúncio.
A mudança no país entre os períodos de 2003 e 2023, vinte anos de diferença, é perceptível quando são analisados os embates que a ministra enfrentava e aqueles que virão de encontro a ela a partir de 1 de janeiro do próximo ano.
O desmonte deliberado das políticas ambientais, durante os anos de 2019 a 2022, levou Marina a restabelecer relações com Lula. A ex-ministra, ciente da mudança radical no cenário político, candidatou-se à deputada federal por São Paulo, que não é seu estado natal – já que o Acre se tornou um reduto bolsonarista e um dos principais arcos do desmatamento da Amazônia. Eleita como deputada, Marina apoiou a campanha de Lula e a transição do governo, o que pode ter pavimentado a indicação dela ao ministério.
Lula e Marina, lado a lado (Reprodução/Brasil de Fato)
Marina, nas pautas do meio ambiente e da Amazônia, é uma das imagens mais conhecidas do Brasil internacionalmente. Na conferência do clima da ONU, na COP 27, que aconteceu no Egito, em novembro, Marina havia circulado como uma integrante do futuro governo de Lula.
O analista sênior do KPL, que é o maior fundo de Pensão da Noruega, Arild Skedsmo, comemorou a escolha de Marina para o ministério e disse que o presidente eleito “tem feito questão de elevar os padrões da gestão ambiental e da proteção dos direitos dos povos indígenas”.
“Esta foi uma notícia muito bem-vinda para os investidores que olham para o Brasil. Em breve Lula terá que entregar [resultados], e Marina Silva parece a pessoa certa para o desafio. Ambos têm experiência e credibilidade para construir a confiança dos investidores de que o Brasil passará por um momento decisivo em relação aos riscos ambientais“, avaliou.
Sobre o Ministério
Logo após o anúncio oficial, Marina explicou que o ministério contará, neste primeiro momento, com 5 secretarias – uma delas será, inclusive, criada do zero, a Secretaria Extraordinária de Combate ao Desmatamento e do Ordenamento Florestal. De acordo com Marina, os temas das secretarias serão: combate ao desmatamento, bioeconomia e recursos genéticos, biodiversidade e defesa dos direitos animais, desenvolvimento sustentável e populações tradicionais.
Apesar disso, a autoridade climática, que foi uma das sugestões da ambientalista durante a campanha de Lula, será criada a partir de março, pois o governo determinou que ainda não sejam criados novos cargos.
Ministério do Meio Ambiente (Reprodução/Correio Braziliense)
“Ao todo serão cinco secretarias que já existiam, mas que tiveram modificações em suas estruturas para integrar novos temas, voltando inclusive a de mudanças climáticas [extinta no governo Bolsonaro]. E nós teremos ainda a autoridade climática, a partir de março”, disse ela.
“[A autoridade climática] foi apresentada à Casa Civil e vai ter um debate dentro do governo, para detalhar a proposta, pensar as competências disso, a estrutura. Necessariamente, como estrutura nova, ela tem que passar pelo Congresso Nacional. Então esses passos ainda serão dados pelo novo governo, ainda é uma proposta inicial, esses passos serão analisados”, também completou Alexandre Padilha, que é o futuro secretário de relações institucionais, .
Marina disse ainda que pretende fazer com que a política ambiental se torne um tema transversal no governo. Ela mencionou os novos órgãos anunciados para o Ministério de Segurança Pública e para a Controladoria-Geral da União (CGU) e, também, que devem atuar na proteção do meio ambiente. Ressaltou, por outro lado, que há pretensão em construir uma relação de diálogo com o futuro ministro Carlos Fávaro, que assumirá a Agricultura.
“É um desejo inclusive do agro. Temos uma agenda robusta para trabalharmos juntos. Não só com o agro, com educação, com os povos indígenas. O importante é ter esperança de que meio ambiente não é mais uma política setorial, que a gente vai tentar construir os processos juntos. [Antes] era sair enxugando gelo, agora a gente quer ter políticas públicas duradouras”.
“O que mais causa emissão [de carbono] no Brasil é o desmatamento, e essa será uma responsabilidade que não será só nossa, será de um conjunto de ministérios”, afirmou a ambientalista, por fim.
A história de Marina Silva
A futura ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas nasceu em um seringal no Acre, já trabalhou como empregada doméstica e é, atualmente, historiadora e ambientalista. Ela, que ocupa cargos públicos há mais de 35 anos, atuou com o líder seringueiro Chico Mendes, além de ter ajudado a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre. Enquanto ministra, Marina articulou a criação de um plano de controle e prevenção do desmatamento, com efeitos concretos na queda dos índices de devastação.
Quando se demitiu como ministra, Marina disse que não tinha mais respaldo do governo Lula para a política ambiental apreendida. O estopim foi a decisão do até então presidente de colocá-la para escanteio na gestão do Plano Amazônia Sustentável (PAS). Marina enxergou ali que não tinha mais apoio para medidas de combate ao desmatamento na Amazônia.
A futura ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Reprodução/InfoMoney)
A demissão foi conflituosa, com irritação do presidente e mágoa por parte da ex-ministra. Durante o governo de Lula, os embates principais de Marina foram com Dilma Rousseff (PT), que foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil antes de ser eleita presidente no ano de 2010. Por isso, ela era tida como entrave para licenças ambientais a grandes obras de infraestrutura.
Os conflitos entre Marina e Dilma aumentaram com as disputas presidenciais nos anos de 2010 e 2014. Nestas duas eleições, Rousseff foi eleita e Marina ficou em terceiro lugar – ela chegou, até mesmo, a apresentar uma ameaça ao projeto de reeleição da petista. Em 2008, a ambientalista voltou a se candidatar à presidência (pelo seu atual partido, Rede), mas diante da onda bolsonarista, recebeu pouco mais de um milhão de votos, assumindo a 8a posição entre os candidatos.
Foto destaque: Fotografia da futura ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Reprodução/InfoMoney)