Até algumas décadas atrás, os pedidos de repatriação e restituição de artefatos culturais encontravam pouca aceitação em países europeus e norte-americanos. A discussão estava dividida entre duas correntes: o internacionalismo cultural, que defendia a concentração de objetos em “museus universais” como o Louvre e o Museu Britânico; e o nacionalismo cultural, que enfatizava o retorno dos objetos aos seus países de origem, deixando a decisão sobre o destino dos artefatos a cargo desses países.
No entanto, recentemente, esse cenário tem passado por mudanças significativas, impulsionadas pela crescente revisão acadêmica sobre os efeitos da colonização e pelo aumento da representatividade das vozes anteriormente marginalizadas no meio artístico e político. Essa transformação tem levado diversas instituições culturais a tomarem ações concretas em relação à restituição de artefatos.
As ações de repatriação têm sido motivadas pela reflexão sobre a forma como os objetos foram obtidos e se foram adquiridos de forma ilegal, por meio de força ou saque. Nesse sentido, a repatriação não é apenas uma questão de retorno físico das peças, mas também uma forma de reconhecer o valor simbólico e cultural desses objetos para as comunidades de origem.
A importância do caso do fóssil do Ubirajara jubatus
No contexto brasileiro, a questão da restituição de artefatos culturais tem ganhado relevância, especialmente com o caso do fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus. Esse fóssil se tornou uma questão central quando pesquisadores alemães publicaram um artigo científico sobre a descoberta de uma nova espécie de dinossauro baseada em um fóssil encontrado na região do Cariri, no Ceará. A reação da comunidade paleontológica brasileira resultou em pressões e investigações que culminaram na decisão da Alemanha de repatriar o fóssil em 2022.
Reprodução gráfica de como seria o dinossauro Ubirajara jubatus (Foto: Reprodução/ Bob Nicholls por paleocreations.com)
Além disso, outros fósseis brasileiros, como os encontrados na Bacia do Araripe, também têm sido alvo de tráfico internacional, resultando em ações de apreensão e repatriação por parte de países como a França e a Itália.
Esses casos evidenciam a importância de uma atuação renovada dos museus e instituições culturais, com curadorias compartilhadas e um espaço que permita um diálogo colaborativo entre as instituições e os detentores do saber cultural. A devolução de objetos históricos é apenas o primeiro passo, mas a restituição é o verdadeiro objetivo, pois possibilita que as comunidades locais tenham acesso ao seu próprio patrimônio, valorizando e reconectando-se com suas raízes culturais.
O Brasil e a busca pela restituição de seu patrimônio cultural
O Brasil tem buscado a colaboração de autoridades estrangeiras para identificar, apreender e repatriar esses bens culturais, muitas vezes utilizando tratados de cooperação entre os países ou ajuda de convenções internacionais, como a da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A entrada do Brasil no comitê internacional responsável pela Convenção da Unesco de 1970, pela primeira vez em sua história, prometia mudar o cenário e fortalecer as ações de proteção e restituição de seu patrimônio cultural.
Restituir artefatos culturais significa reconhecer a importância da escuta e do diálogo com as comunidades de origem, abrindo caminho para uma atuação mais inclusiva e responsável das instituições culturais em todo o mundo.
O desafio de uma atuação renovada dos museus
A restituição de objetos históricos não é apenas uma questão legal ou diplomática, mas também um desafio para os museus e instituições culturais. A devolução de artefatos culturais traz à tona questionamentos sobre o verdadeiro valor desses objetos quando exibidos em vitrines, e destaca a importância de uma atuação renovada dessas instituições, com curadorias compartilhadas e um espaço que permita um diálogo colaborativo entre as instituições e as comunidades detentoras do saber cultural.
E a busca de recompor o acervo com base em uma abordagem de escuta e diálogo com as comunidades indígenas e quilombolas, detentoras originais dos saberes, é de grande importância para a reconstrução da história.
Foto destaque: Fóssil Ubirajara Jubatus. Reprodução/gov.br de Raul Vasconcelos