Nesta última semana, a Ucrânia realizou diversos ataques à península da Crimeia contra navios de guerra e mísseis russos, e foi estimado que o dano esteja na casa dos bilhões de dólares. A tão competida península está sendo disputada novamente, e a questão que permanece agora, é se a Ucrânia irá conseguir a Crimeia de volta apesar da defesa bem estável de Moscou.
A questão da Crimeia
A questão da Crimeia envolve um período de alta tensão entre a Ucrânia e a Rússia em 2014. A Crimeia era uma república autônoma dentro da Ucrânia, desfrutando de considerável autonomia política regional, mas ainda fazendo parte do território ucraniano. No entanto, a Crimeia sempre manteve laços profundos com a Rússia em termos políticos, econômicos e culturais. Uma parte significativa da população da Crimeia tem raízes russas e fala o idioma russo.
Mapa da região da Crimeia. (Foto: Reprodução/Peteri/Shutterstock)
Em 2014, em meio aos distúrbios políticos na região da Crimeia, que surgiram em resposta à oposição ao governo central da Ucrânia, a Rússia realizou uma ocupação militar na região. As tropas russas tomaram controle de pontos estratégicos, como portos e aeroportos, enfrentando pouca resistência das forças militares ucranianas. A justificativa apresentada para essa invasão foi a necessidade de proteger os cidadãos russos na Crimeia. No entanto, essa ação foi amplamente condenada pela comunidade internacional.
A ocupação resultou na realização de um plebiscito, também criticado pelas potências ocidentais. Segundo fontes russas, a população da Crimeia teria optado pela anexação do território à Rússia neste referendo. Esse processo foi concluído de maneira rápida e autoritária, com a afirmação do domínio russo na região. A Ucrânia, por sua vez, considera a Crimeia como um território ocupado ilegalmente. Um pouco depois, a Rússia também fomentou conflitos separatistas ao longo dos últimos anos no leste ucraniano, em uma região geográfica conhecida como Donbas.
Por fim, em 2022, a Rússia iniciou uma invasão em território ucraniano, por meio de ataques aéreos e terrestres. Esse cenário culminou no atual conflito, a guerra entre Rússia e Ucrânia, que dura até os dias atuais. Essa invasão resultou em uma grande tensão entre a Rússia e a Ucrânia e modificou profundamente a ordem de poder geopolítico estabelecida mundialmente.
Ataques à Crimeia
No momento, a Crimeia permanece sob controle russo, portanto, é essencial não criar ilusões quanto à capacidade real da Ucrânia de recuperá-la. No entanto, devido aos recentes ataques, as especulações sobre quais seriam as estratégias da Ucrânia começaram a surgir.
“A estratégia (ucraniana) tem dois objetivos principais,”, afirma Oleksandr Musiienko, do Centro de Estudos Militares e Legais de Kiev, “um, estabelecer a dominância no noroeste do Mar Negro, e dois, enfraquecer as oportunidades logísticas da Rússia para as linhas de defesa deles no sul da Ucrânia, perto de Mariupol e Tokmak (cidades hoje sob controle russo).”
Em outras palavras, a ação na Crimeia caminha lado a lado à resposta ucraniana no sul do país, uma área parcialmente controlada pela Rússia. É relevante destacar essa operação em comparação com alguns sucessos recentes da Ucrânia na Crimeia. Em 13 de setembro, mísseis de cruzeiro de longo alcance, fornecidos pelo Reino Unido e pela França, causaram sérios danos à frota russa no Mar Negro, especificamente no porto de Sevastopol, que é o principal da Crimeia. Imagens de satélite na doca de Sevmorzavod mostraram duas embarcações danificadas.
O ministério da Defesa do Reino Unido dois dias depois afirmou que o Minsk, um grande navio de assalto anfíbio, tinha “quase certamente sido funcionalmente destruído”. Ao lado dele, um dos submarinos russos usados para lançar mísseis de cruzeiro à Ucrânia tinha “provavelmente sofrido danos catastróficos”. Possivelmente de igual relevância, as instalações de docagem seca, que são utilizadas para a manutenção de toda a frota do Mar Negro, provavelmente permanecerão inoperantes “por diversos meses”, conforme declarou o ministério britânico.
No último sábado (16/09), a Ucrânia revelou mais detalhes dessas operações: as forças especiais desempenharam um papel crucial, empregando barcos e “meios subaquáticos” não especificados para identificar e atacar as embarcações russas. Além disso, a Ucrânia conseguiu destruir um dos sistemas de defesa aérea mais avançados da Rússia, um modelo S-400, que estava localizado a 64 km de Yevpatoria. E houve também uma operação sofisticada que combinou o uso de drones e mísseis ucranianos do tipo Neptune para confundir e neutralizar componentes-chave das defesas aéreas russas na Crimeia.
Já na quinta-feira passada, em 14 de setembro, pela segunda vez em menos de um mês, a Ucrânia conseguiu neutralizar um sistema de mísseis terra-ar S-400 na península. Além disso, em 23 de agosto, na localidade de Olenivka, na extremidade oeste da península de Tarkhankut, a Ucrânia conseguiu alvejar outro destróier e uma estação de radar próxima. Acreditava-se que a Rússia possuía até seis lançadores S-400 na Crimeia. No entanto, dois deles foram destruídos.
Em operações que ocorreram anteriormente, a Ucrânia conseguiu derrubar postos de radar russos em plataformas offshore de gás e, de acordo com Kiev, utilizou drones marítimos para atacar um porta-mísseis na entrada da baía de Sevastopol. Devido às suas bases aéreas, concentração de tropas, campos de treinamento e presença de uma frota no Mar Negro, a Crimeia tem sido um ponto crítico de disputa desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022.
Conforme Musiienko observa: “Na Crimeia, eles (russos) ainda têm um amplo estoque de artilharia e armas, e essa é a principal linha de suprimento logístico (de Moscou).” Ao longo dos meses, as operações conduzidas por Kiev têm se tornado mais sofisticadas, indo desde um ataque de drone em agosto de 2022, que destruiu aproximadamente nove aeronaves na base aérea de Saky, até a combinação atual de ataques com mísseis e drones.
Com a possível chegada de armamentos mais avançados, Musiienko acredita que a Ucrânia poderá aprimorar ainda mais suas operações. O analista faz referência especialmente aos mísseis táticos balísticos americanos que a Ucrânia está buscando adquirir e que, segundo ele, podem representar “um sério problema para o sistema de defesa aéreo da Rússia”.
E então, surgem as dúvidas como: É factível recuperar a Crimeia?Tudo isso significa que Kiev está mais perto de recuperar a Crimeia?
“Está mais perto, mas ainda há muito a fazer,”, diz Andriy Ryzhenko, capitão reformado da Marinha ucraniana, “precisamos liberar a costa do Mar de Azov (na costa leste da Crimeia) e cortar o corredor terrestre”, ele agrega, em referência à lenta e extenuante contraofensiva ucraniana em curso no sul do país.
Nesta discussão, um elemento crucial é a Ponte de Kerch, que conecta a Crimeia à Rússia. A Ucrânia tem visado as rotas de abastecimento de Moscou na Crimeia por quase um ano, mas até agora, equipamentos pesados ainda conseguem passar por essa rota vital. Em julho, a ponte sofreu danos em um ataque atribuído à Ucrânia. Atualmente, a via está fortemente protegida, mas ainda permanece como um alvo para Kiev.
“Quando fecharmos essa ponte da Crimeia, criaremos um problema logístico para eles (Rússia)”, afirma Ryzhenko. Interromper essa linha de suprimento para a Crimeia seria uma situação catastrófica para Moscou e poderia facilitar uma ofensiva ucraniana no sul do país. No entanto, observadores em Kiev alertam para a necessidade de cautela.
“Acho que isto pode ser um preparativo para a liberação da Crimeia. Mas acho que vai levar tempo”, aponta Musiienko. “O que estamos fazendo no momento é limpar o caminho até a Crimeia”.
Já o secretário do Conselho Ucraniano de Segurança e Defesa, Olesksiy Danilov, disse em entrevista: “Parece que, se os russos não quiserem deixar a Crimeia por vontade própria, teremos que expulsá-los”.
Neste sábado (16/09), Olesksiy deixou claro que a Ucrânia está usando todos os meios disponíveis para forçar a Rússia a abandonar Crimeia.
Foto Destaque: fumaça de o que se acredita ter sido ataque ucraniano contra navio russo em Sevastopol, na Crimeia; é um dos indícios de ofensiva maior da Ucrânia nesta península. Reprodução/ReutersTV/Reuters