“Um revés humilhante”, o que significa a retirada russa da cidade ucraniana, Kherson

Juliana Gomes Por Juliana Gomes
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Com a retirada das tropas russas da cidade Kherson, na Ucrânia, na sexta-feira (11), o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky celebrou o chamado de “dia histórico”. Em discurso, ele disse que as forças ucranianas libertaram 41 assentamentos, repletos de minas terrestres deixados pelos russos, enquanto avançavam pelo Sul. O local foi a única grande capital regional capturada por Moscou desde o início da guerra, há quase 9 meses.

Zelensky, no próprio canal do Telegram, confirmou que as unidades especiais das Forças Armadas já estavam na cidade depois da saída de Moscou. O Ministério de Defesa da Rússia anunciou, mais cedo, que cerca de 30.000 soldados russos deixaram Kherson, em direção à margem leste do rio Dnipro.

Centenas moradores da cidade de Kherson comemoram a retirada. Em vídeo verificado pela BBC, moradores homenageiam os soldados ucranianos agitando bandeiras e cantando “Glória à Ucrânia! Glória aos Heróis! Glória às Forças Armadas da Ucrânia!”.

Analistas veem o abandono de Kherson como “um revés humilhante” para o presidente da Rússia, Vladimir Putin. O chefe do escritório da BBC em Moscou, Andrei Goryanov, lembra que, há um mês, o russo proclamou que esse território seria permanecido “para sempre”. 

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, negou se tratar de uma humilhação para Putin. “Existem muitos especialistas diferentes — alguns dizem isso, outros dizem outras coisas. Não queremos comentar nenhuma das declarações. A operação militar especial continua”, afirmou Peskov em declaração para jornalistas sobre o tema.

Por permitir que a Rússia tivesse acesso terrestre do continente à península da Crimeia, podendo alcançar as cidades ocidentais de Odessa e Nikolaiev para isolar a Ucrânia do Mar Negro, a cidade tinha sido fundamental para a estratégia de Moscou na Ucrânia.

Marina Miron, pesquisadora de Estudos de Defesa Kings College de Londres, explica à BBC que Kherson, que tinha uma população de 380.000 habitantes antes da guerra, por ser a posta de entrada para a Crimeia, a recuperação dessa área “pode facilitar o caminho para a reconquista da Crimeia, algo que a Ucrânia busca alcançar nesta guerra”. Andrei diz que a reconquista da área é “um enorme impacto militar, simbólico e político“.

Os avanços militares ucranianos no sul, as operações como as que levaram o principal navio da frota russa do Mar Negro, Moskva, ao naufrágio e as destruições das pontes com mísseis HIMARS, fabricados pelos EUA, que ligavam as margens do rio Dnipro ajudaram na exposição do Exército de Putin. 


Mísseis ucranianos destroem a maioria das pontes, sobre o rio Dnipro (Foto: Reprodução/ Getty Images)


Por causa do corte de fornecimento de munições e suprimentos para os soldados russos, por causa da demolição das pontes, Goryanov afirma que a retirada “era inevitável e apenas uma questão de tempo”. “As tropas russas em Kherson morreriam de fome se ficassem lá por mais tempo”, explica o chefe do escritório da BBC em Moscou. Jeremy Bowen, enviado especial da BBC à Ucrânia, diz que, militarmente falando, essa retirada talvez seja a “coisa mais sensata que os russos fizeram desde o início da guerra”. Bowen também diz que, quando o exército da Russia deixou a posição no oeste da cidade para se reorganizar do outro lado do rio, ele pode ter complicado uma eventual ofensiva ucraniana.

A margem leste do Dnipro está sendo fortificada desde a barragem de Nova Kakhovka até o Mar Negro. A Rússia estaria construindo bunkers de concreto para defender essa área, cavando também mais de 160 quilômetros de defesas, como revela em imagens de satélite. Essas fortificações foram comparadas, pela imprensa ucraniana, à “Muralha do Atlântico”, criada, na 2ª Guerra Mundial, pelos nazistas como tentativa de impedir os desembarques aliados.

Jens Stoltenberg, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), afirma que a Rússia está sobre pressão e que a retirada foi “mais uma vitória” para os ucranianos, mas que o ato não está isento do perigo, como alertou o conselheiro do presidente da Ucrânia, Mijailo Podoliak. O exército russo pode ter minado e deixado armadilhas na cidade. Além disso, a Rússia poderia bombardear Kherson sem piedade, já que “evacuou”, muitas das vezes à força, um  grande número de civis, de acordo com Podoliark. 

A Rússia, como relembra o conselheiro, tem o costume de, em todas as vezes em que sofreu um revés militar, lançar ataques à população. Isso pode dificultar o inverno na Ucrânia. Zelensky assegurou, na quarta-feira (9), que estava tratando “com muito cuidado, sem emoção, sem riscos desnecessários, com o objetivo de liberar todas as nossas terras para que as perdas sejam as menores possíveis”.

A cidade-chave de Snigurivka, que fica a cerca de 50km ao norte de Kherson e representa um importante nó de comunicações ferroviárias para Nikolaiev, foi recapturada pelas forças ucranianas, A margem oeste do Dnipro em direção a Berislav também foi recuperada. 264 quilômetros quadrados de território, no total, foram recuperados, segundo Valerii Zaluzhnyi, comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia.

A retirada de Kherson, além do sentimento de derrota que impõe sobre a Rússia, e a construção de uma nova linha de defesa contra um possível ataque à península da Crimeia faz com que a guerra se torne de defesa para as forças russas. Goryanov explica que o “regime de Putin é baseado na ideia da Rússia como uma superpotência. A derrota significativa contra um país muito menor coloca toda essa ideia em xeque“.

Putin vem recebendo críticas da ala mais dura do próprio regime, que diz com frequência a palavra “negociações”. A Ucrânia, por sua vez, já declarou que não está pronta para negociações até que a Rússia se retire dos territórios ocupados e pague uma indenização.

 

Foto destaque: Bandeira da Ucrânia foi fincada na praça central de Kherson (Foto: Reprodução/Gazeta do Povo/Agência EFE/STANISLAV KOZLIUK)

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