Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) revelam que entidades de aposentados e pensionistas aumentaram em 2,5 vezes a quantidade de descontos sobre benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os repasses financeiros para essas associações cresceram 6,5 vezes no mesmo período. Uma investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que, desde 2019, essas entidades descontavam valores de aposentados sem autorização, sob a alegação de oferecer serviços. O esquema pode ter desviado R$ 6 bilhões.
Em março de 2020, 2 milhões de pessoas tinham descontos em folha – 75% vinculados à Contag. Em abril de 2024, o número saltou para 8 milhões. Até esta semana, 1,6 milhão já pediram reembolso dos valores indevidamente cobrados.
Contag liderava esquema com 75% dos descontos iniciais
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) emergiu como a principal protagonista nos estágios iniciais do esquema de descontos ilegais. Os dados revelam que em março de 2020, a Contag concentrava 1,5 milhão dos 2 milhões de beneficiários com descontos (75% do total). Seu domínio no sistema era tão expressivo que equivalia a 3 em cada 4 descontos realizados naquele período. A entidade manteve posição de destaque mesmo com a explosão posterior no número de associações participantes.
Apesar do crescimento de outras entidades ao longo dos anos, a Contag permaneceu como um caso paradigmático da falha de fiscalização, demonstrando como uma única organização conseguia operar em larga escala sem os devidos controles.
CGU identifica cadastros em massa e falhas graves de fiscalização
Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) detectou 42 situações em que uma única associação incluiu mais de 50 mil descontos em um único mês – volume que exigiria até 1.569 filiações por hora, uma operação logisticamente inviável. O relatório apontou que as entidades não tinham estrutura para justificar o volume de descontos e que o INSS falhou na fiscalização do processo.
“Estimando-se a quantidade de filiações/autorizações diárias (considerando 20 dias por mês), e a quantidade de filiações/autorizações por hora (considerando um regime de 8 horas de trabalho diários), para essas dez entidades, seria necessário realizar entre 778 e 1.569 filiações por hora”, avaliou a CGU.
O INSS falhou em exigir comprovação da capacidade operacional, fiscalizar o processo de filiação e validar as autorizações de desconto.
A CGU determinou que mesmo com sistemas eletrônicos, seria impossível validar a autenticidade dos descontos na escala observada, evidenciando que o esquema dependia necessariamente de automação irregular de processos, falta de verificação documental e conivência ou negligência no controle interno.
Biometria facial: medida crucial para frear fraude
A implementação da biometria facial em 2024 representou um divisor de águas no combate ao esquema de descontos ilegais, embora inicialmente tenha sido burlada. A medida foi instituída através de Instrução Normativa assinada em março de 2024 pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto – posteriormente demitido no âmbito da Operação Sem Desconto. O sistema exigia assinatura digital válida, biometria facial do beneficiário e registro biométrico para todos os cadastrados a partir de 2021.
Mesmo com a biometria, servidores do INSS tentaram encontrar brechas para manter cadastros irregulares. A tecnologia, porém, mostrou-se eficaz em identificar inconsistências nos registros, bloquear cadastros sem comprovação biométrica válida e garantir a autenticidade das autorizações.
A redução no número de associados representou uma significativa diminuição no fluxo de recursos para as associações, invertendo a tendência de crescimento constante observada desde 2020. A biometria se mostrou a ferramenta mais eficaz até o momento para proteger os beneficiários, embora o sistema ainda exija aprimoramentos para eliminar completamente as fraudes.
Números do esquema revelam crescimento descontrolado e lucratividade recorde
O esquema de descontos ilegais em benefícios previdenciários apresentou um crescimento exponencial e descontrolado, com números que revelam sua impressionante magnitude e capacidade de arrecadação ilícita. Entre março de 2020 e janeiro de 2025, o número de entidades participantes saltou de apenas 10 para 37 associações, um aumento de 270% na base de organizações envolvidas no sistema.
Prédio da Previdência Social (Foto: reprodução/Joa Souza/Getty Images Embed)
Paralelamente, a quantidade de beneficiários com descontos em folha expandiu-se de 2 milhões para quase 8 milhões de cadastrados no mesmo período, atingindo seu ápice em abril de 2024. O mês de março daquele ano registrou um recorde histórico, com 796,6 mil novos cadastros realizados em um único mês, marca jamais alcançada antes ou depois dessa data.
Os valores movimentados pelo esquema acompanharam essa escalada vertiginosa. Em termos mensais, os repasses saltaram de R$ 40,4 milhões em março de 2020 para R$ 306,8 milhões em janeiro de 2025, uma multiplicação por 6,5 vezes em cinco anos. Na comparação anual, o período de março a dezembro de 2020 totalizou R$ 412 milhões em descontos, enquanto nos mesmos meses de 2024 o valor atingiu a impressionante marca de R$ 2,9 bilhões, crescimento de 604% em quatro anos. Essa curva ascendente manteve-se constante e exponencial desde 2020, com aumentos mensais consecutivos na maioria dos períodos e picos coincidentes com momentos de menor fiscalização.
A discrepância entre a capacidade operacional real das entidades e os números apresentados é ainda mais reveladora. Enquanto o recorde mensal chegou a quase 800 mil cadastros, a capacidade técnica comprovada por entidade não ultrapassava 50 mil mensais, uma diferença que em alguns casos alcançava 1.500% do volume tecnicamente viável.
Esses números evidenciam como o esquema transformou-se numa máquina de arrecadação ilegal, aproveitando-se sistematicamente das fragilidades do sistema previdenciário para drenar recursos públicos em escala bilionária, até que a implementação da biometria facial em 2024 começasse a frear sua expansão desenfreada.