O ex-presidente da Polônia e líder sindical, Lech Walesa, que exerceu papel de líder durante a derrubada do comunismo no país, publicou em seu facebook nessa segunda-feira (3) uma carta ao presidente Donald Trump. A carta, que foi assinada por 39 ex-prisioneiros políticos poloneses, expressa “horror e repulsa” pela discussão do americano com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O desentendimento ocorreu no Salão Oval da Casa Branca, em Washington D.C, na sexta-feira (28).
Discussão na Casa Branca
Em reunião transmitida ao vivo na sexta-feira (28), Donald Trump acusou Zelensky de ser desrespeitoso com os Estados Unidos, ingrato pelo auxílio que recebeu do país, além de arriscar a Terceira Guerra Mundial. A fala deixou dúvidas sobre a continuidade do apoio de Washington à Ucrânia na guerra contra a Rússia que completou três anos em fevereiro.
Na carta escrita por Lech Walesa, o ex-presidente diz considerar as expectativas de Trump em relação a demonstração de respeito e gratidão pelo auxílio dos Estados Unidos durante a invasão russa “ofensiva”. “Gratidão é devida aos heróicos soldados ucranianos que derramaram sangue em defesa dos valores do mundo livre”, diz na carta.
Durante a reunião no salão oval, Trump e o vice-presidente JD Vance atacaram Zelensky e levaram a relação dos Estados Unidos, que é o aliado mais importante da Ucrânia durante a guerra, a uma decadência histórica. Segundo uma autoridade dos EUA, o ucraniano foi instruído a deixar a Casa Branca.
Na carta de Walesa, o ex-presidente também comentou sobre a atmosfera da Sala Oval “Nos lembrou os interrogatórios da Segurança do Estado e os tribunais comunistas que bem conhecemos.”
Além disso, Walesa pediu aos EUA que cumpram as garantias de segurança dadas à Ucrânia após a dissolução da União Soviética em 1994 “Essas garantias são incondicionais: não há uma palavra sobre tratar tal ajuda como troca econômica”, diz o documento.
O presidente da Polônia, Andrzej Duda disse no sábado (1) que Zelensky deveria continuar a negociar com os Estados Unidos.
A carta na íntegra
“Excelentíssimo Senhor Presidente,
Assistimos com horror e repulsa à sua conversa com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Consideramos ofensivas as suas expectativas quanto à demonstração de respeito e gratidão pela ajuda material fornecida pelos Estados Unidos à Ucrânia, que luta contra a Rússia. A gratidão pertence aos heroicos soldados ucranianos que derramam seu sangue na defesa dos valores do mundo livre. São eles que, há mais de 11 anos, morrem na linha de frente em nome desses valores e da independência de sua pátria, atacada pela Rússia de Putin.
Não compreendemos como o líder de um país que simboliza o mundo livre pode não enxergar isso.O que também nos chocou foi a atmosfera na Sala Oval durante essa conversa, que nos lembrou os interrogatórios da Segurança do Estado e os tribunais comunistas que bem conhecemos. Promotores e juízes, a serviço da onipotente polícia política comunista, também nos diziam que tinham todas as cartas na mão, enquanto nós não tínhamos nenhuma. Exigiam que cessássemos nossas atividades, argumentando que, por nossa causa, milhares de inocentes estavam sofrendo. Retiraram-nos a liberdade e os direitos civis porque nos recusamos a cooperar com o regime e a expressar gratidão a ele. Estamos estarrecidos ao ver que o senhor tratou o Presidente Volodymyr Zelensky da mesma forma.
A história do século 20 mostra que, sempre que os Estados Unidos tentaram manter distância dos valores democráticos e de seus aliados europeus, isso acabou se tornando uma ameaça para os próprios EUA. O Presidente Woodrow Wilson compreendeu isso quando decidiu que os Estados Unidos deveriam ingressar na Primeira Guerra Mundial, em 1917. O Presidente Franklin Delano Roosevelt também entendeu essa lição quando, após o ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, decidiu que a guerra em defesa da América deveria ser travada não apenas no Pacífico, mas também na Europa, em aliança com os países atacados pelo Terceiro Reich.Recordamos que, sem o Presidente Ronald Reagan e o comprometimento financeiro dos Estados Unidos, não teria sido possível desmantelar o império da União Soviética. Reagan tinha plena consciência de que milhões de pessoas sofriam sob o jugo da Rússia soviética e de seus estados subjugados, incluindo milhares de prisioneiros políticos, que pagavam com sua liberdade pelo compromisso com os valores democráticos. Sua grandeza estava, entre outras coisas, no fato de não hesitar em chamar a URSS de “Império do Mal” e em travar uma luta decisiva contra ela. Vencemos, e hoje uma estátua do Presidente Ronald Reagan ergue-se em Varsóvia, em frente à Embaixada dos EUA.
Senhor Presidente, ajuda material — militar e financeira — não pode ser comparada ao sangue derramado pela independência e liberdade da Ucrânia, da Europa e de todo o mundo livre. A vida humana é inestimável, seu valor não pode ser medido em dinheiro. A gratidão pertence àqueles que fazem o sacrifício de sua liberdade e sangue. Para nós, membros do movimento Solidariedade e ex-prisioneiros políticos do regime comunista servil à Rússia soviética, isso é evidente.
Apelamos para que os Estados Unidos cumpram as garantias que fizeram, juntamente com o Reino Unido, no Memorando de Budapeste de 1994, no qual se comprometeram expressamente a defender a integridade territorial da Ucrânia em troca da entrega de seu arsenal nuclear. Essas garantias são incondicionais: não há qualquer cláusula que estabeleça a ajuda como um acordo comercial.”
A embaixada dos Estados Unidos em Varsóvia informou que perguntas sobre a carta deveriam ser feitas à assessoria de imprensa da Casa Branca, que não comentou sobre a carta em pedido via e-mail.