Especialistas dizem que o atendimento médico e hospitalar relatado por Klara Castanho foi criminoso

Julia Cabrero Por Julia Cabrero
9 min de leitura

A atriz Klara Castanho de 21 anos, neste sábado (25), contou ter sido vítima de um estupro, engravidado e optado por entregar o bebê para adoção diretamente por meios legais. Klara foi exposta por sites e jornalistas de fofocas da maneira mais antiética possível e foi obrigada contra sua vontade vir a público dar uma declaração. 

Por ter sua intimidade exposta e seu direito tomado, a atriz publicou em suas redes sociais uma carta aberta para esclarecer a situação e cessar as mentiras que estavam sendo ditas em seu nome. “Bom, agora, a notícia se tornou pública, e com ela vieram mil informações erradas e ilações mentirosas e cruéis.” diz Klara em uma parte de sua carta. 

O sofrimento que vem sentindo não é somente devido à exposição que sofreu, como também, à violência obstétrica e psicológica no processo até a realização do parto. Klara Castanho não teve conhecimento de sua gravidez, ela explica que começou a passar mal meses depois, contudo, um médico sinalizou ser uma gastrite, hérnia ou até mesmo um mioma. No momento em que realizou uma tomografia, foi descoberto a gravidez.

Na consulta, contou ter sofrido violência sexual, Klara conta que o médico não teve “nenhuma empatia”. “Ele me obrigou a ouvir o coração da criança e disse que 50% do DNA eram meus e seria obrigada a amá-lo”, escreveu a atriz.


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Carta Aberta de Klara Castanho (Foto: Reprodução/Instagram)


“Evidente que se uma mulher deseja ouvir, o que é incomum, mas se ela deseja e é importante para ela numa tomada de decisão, isso tem que ser respeitado. Mas se ela não quer ouvir, obrigá-la a fazê-lo é imputar a essa mulher uma carga emocional e de sofrimento emocional que não tem nenhum propósito, e o profissional de saúde não tem esse direito. Ele não tem o direito de obrigar uma mulher a fazer isso e muito menos de julgar o que ela deve ou não fazer numa situação como essa”, afirma o médico Jefferson Drezett Ferreira, que chefiou por mais de 25 anos o principal serviço de aborto legal do Brasil, no Hospital Pérola Byington, em São Paulo. 

A atriz relatou também que, após o parto, ainda sob os efeitos da anestesia,  uma enfermeira se aproximou e ameaçou vazar a história para a imprensa. “A enfermeira que estava na sala de cirurgia fez perguntas e ameaçou ‘imagina se tal colunista descobre essa história’. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista”, declarou Klara.

A coordenadora de acesso à informação e transparência da ONG chamada Artigo 19 e responsável pelo projeto Mapa Aborto Legal, Julia Rocha, considera criminosa a conduta dos profissionais de saúde que atenderam Klara. 

“Esse caso traz muitos elementos de como o sistema de saúde brasileiro não está preparado para realizar esse procedimento e evitar revitimizações, ou seja, fazer um acolhimento apropriado.” Para ela, a atriz foi exposta a constrangimentos antes e depois do parto considerados como tortura psicológica. “Todas as condutas tomadas pelos profissionais de saúde a partir do acolhimento têm que ser de validar a experiência e as palavras da pessoa que está recorrendo ao serviço”, afirma Julia. 

No mesmo período em que a vida de uma criança de 11 anos foi pautada por todos os brasileiros e julgada de diferentes formas,  o mesmo aconteceu com a vida de Klara Castanho. 

“A gente consegue entender essas práticas como reflexo de uma cultura muito violenta que é a cultura do nosso país, uma cultura machista, uma cultura autoritária, que entende que a mulher não tem direito ao seu corpo”, diz Érica Maia Arruda, advogada, mestre em políticas públicas, pesquisadora colaborada da UniRio, gestora pública da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente.

O sistema de saúde não está preparado para amparar uma mulher que sofre violência, seja ela qual for. 

 

Foto Destaque: Reprodução/Instagram

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