A idade do planeta Terra é de cerca de 4,5 bilhões de anos, e sua evidência fóssil mais antiga de vida, os estromatólitos, tem aproximadamente 3,5 bilhões de anos. Contudo, alguns cientistas acreditam que havia vida antes destes organismos microscópicos preservados em camadas conhecidas como tapetes microbianos.
Para eles, a vida aconteceu a partir da chamada “sopa primordial”, uma mistura de moléculas orgânicas unidas em corpos d’água primitivos.
A matéria orgânica da Terra primitiva
Décadas atrás, acreditava-se que essa matéria orgânica foi produzida naturalmente, advinda de raios que causaram reações químicos nos oceanos da Terra primitiva.
Entretanto, uma nova pesquisa publicada em 14 de março na revista Science Advances (Avanços da Ciência, em tradução livre) diz que, na verdade, essas descargas de micro-raios quase invisíveis, criadas entre gotículas de névoa carregadas eletricamente, seriam o suficiente para condensar aminoácidos com base em material inorgânico.
Os aminoácidos são moléculas orgânicas que se unem para gerar proteínas, sendo blocos fundamentais para a vida, e podem ter sido o pontapé para a evolução da vida na Terra.
A astrobióloga e geobióloga Dr.ᵃ Amy J. Williams, professora associada do departamento de geociências da Universidade da Flórida, explica que ser um fato que, para a vida ocorrer e evoluísse na Terra primitiva, seria necessário um catalisador energético para contribuir com algumas das reações.
Williams não está diretamente ligada com a pesquisa, mas relatou em uma troca de e-mails com a CNN que para os aminoácidos se formarem, é preciso haver átomos de nitrogênios aptos a se unirem ao carbono. E para que essas partículas sejam libertas a partir do gás nitrogênio, é necessário despedaçar ligações moleculares fortes, exigindo uma quantidade enorme de energia.
Neste caso, a energia necessária viria dos micro-raios, servindo para quebrar as ligações moleculares, e auxiliando na criação das novas moléculas essenciais para que a vida na Terra pudesse surgir e evoluir.
A origem da vida na Terra segundo Miller-Urey
Para recriar o mesmo lugar que pode ter gerado as primeiras moléculas orgânicas na Terra, os pesquisadores utilizaram como base os experimentos realizados em 1953 por Stanley Miller e Harold Urey, que criaram uma mistura gasosa que copiava a atmosfera da Terra primitiva.
Os cientistas combinaram amônia (NH₃), metano (CH₄), hidrogênio (H₂) e água, fecharam essa “atmosfera” dentro de uma esfera de vidro, e inseriram descargas elétricas, resultando na criação de aminoácidos simples que possuíam carbono e nitrogênio.
O experimento de Miller-Urey, como ficou conhecido, foi a base para a teoria científica da abiogênese, que diz que a vida surgiu a partir de moléculas não vivas.
No novo estudo, os experimentos de 1953 foram revistos, mas focado na atividade elétrica em escala menor, segundo o autor sênior do estudo, Dr. Richard Zare, professor Marguerite Blake Wilbur de Ciências Naturais.
Zare e os demais cientistas estudaram a troca de eletricidade entre gotículas de água carregadas com eletricidade, que possuem diâmetros entre um micrômetro e 20 micrômetros. Um fio de cabelo humano tem por volta de 100 micrômetros de largura, para comparação.
Foi misturado amônia, dióxido de carbono, metano e nitrogênio em um bulbo de vidro, e a mistura gasosa foi pulverizada com uma névoa de água. Graças a uma câmera de alta velocidade, foi possível obter fotos de micro-raios no vapor.
Averiguando a mistura do bulbo, foi localizado moléculas orgânicas com ligações entre carbono e nitrogênio, inclusive ma base nitrogenada presente no RNA: aminoácido glicina e uracil.
Zare explica que não foi descoberta uma “nova química”, ou mesmo novas leis da física. Foi reproduzido o experimento Miller-Urey de 1953, baseado em princípios da eletrostática, observando as pequenas gotículas que, quando geradas a partir da água, geram luz e centelha. E essa centelha provoca diversos tipos de transformação química.
Raios, água e vida
Apesar de auxiliarem no processo que precisa de energia em abundância, os raios são esporádicos e imprevisíveis, não podendo ter sido a fonte principal de energia em uma Terra primitiva instável.
Há bilhões de anos, os raios poderiam ser um fenômeno extremamente raro para produzir aminoácidos suficientes para sustentar a vida terrestre, o que inclusive gerou dúvidas no passado, segundo Zare.
Em contrapartida, a pulverização da água era mais comum que os raios. Neste cenário, os micro-raios formados pela névoa podem ter gerado a formação de aminoácidos em poças e lagos rasos, locais onde essas moléculas tinham como se acumular e formar compostos mais complexos, fazendo com que a vida evoluísse eventualmente.