O Brasil passa por uma seca sem precedentes e é a mais intensa na história em partes de um dos biomas mais importantes do mundo, a floresta amazônica. A seca deve superar a estiagem severa de 2021 no Pantanal. O número de focos de incêndio também bateu recorde, com o registro de 164.543 entre janeiro e esta segunda-feira (09), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A gravidade da situação
O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) detalhou o acontecimento, que ocorre desde segundo semestre de 2023, em uma nota técnica. O documento reporta que cerca de 5 milhões de km², 59% do país, estão sob algum grau de seca. Até agora, a estiagem mais longa registrada foi a de 2015-2016, que atingiu 54% do território nacional. O terceiro lugar fica para a estiagem de 1997-1998, que afetou 3,6 milhões de km², ou seja, 42%.
Os cientistas frisam que com o passar dos anos, as secas têm sido mais frequentes e intensas. O Pantanal, por exemplo, tem sofrido com chuvas abaixo do esperado desde a década de 80 e com seca desde 2019, com o agravamento da mesma nos anos de 2021 e agora, em 2024. Algo semelhante aconteceu na Amazônia, que, nas últimas duas décadas, tem períodos alternados de cheias e secas extremas.
O Brasil vêm sofrendo com períodos cada vez mais longos sem chuva (Foto: Reprodução/Stephanie Maze/Getty Images Embed)
Segundo o climatologista da USP, Tercio Ambrizzi, as secas extremas devem se tornar no novo padrão, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Para ele, em 2025 a tendência deve continuar, mesmo com a La Niña em formação. Esse fenômeno meteorológico ocorre quando as águas do Pacífico se resfriam, trazendo mais chuvas e um alívio muito merecido para o calor intenso.
As mudanças climáticas e o desmatamento são destacados pelo Cemaden como fatores que aumentam os riscos e a severidade da estiagem, que, este ano, afetou duramente a faixa ocupada pelo Acre, Amazonas, Mato Grosso, São Paulo e o Triângulo Mineiro. Esta região tem municípios que estão há 12 meses consecutivos sem chuva.
História incompleta
Os dados meteorológicos sobre as secas históricas não cobrem todo o país, que teve secas intensas, mas regionais, sendo a maioria no Norte e no Nordeste. A seca de 1877-1879, no Nordeste, foi a que mais fatal, e matou meio milhão de pessoas de fome, sede e doenças.
Um estudo da USP aponta que em partes do Cerrado, como no Norte de Minas Gerais, passam pela pior seca já registrada em 700 anos. Os pesquisadores compararam os dados atuais com os de 1915, reconstituindo as condições da época por meio de análise da composição química de rochas encontradas em cavernas e fósseis de árvores.
A período prolongado de estiagem faz aumentar o risco de incêndios (Foto: Reprodução/Sergio Lima/AFP/Getty Images Embed)
Tudo aponta para uma soma de fatores como responsável pela aridez deste ano. Uma estação chuvosa fraca no ano passado nas regiões Centro-Oeste e Norte, decorrente do El Niño, não deixou a umidade do solo e da vegetação serem repostas. Em consequência, os aquíferos não foram recarregados. Com o calor intenso acelerando a evaporação, o resultado foi o início precoce da seca de 2024.
A razão das queimadas
Os focos de incêndio dobraram em relação ao ano passado. O clima seco e quente é propício à propagação do fogo, mas especialistas destacam que para que as chamas se espalhem, é preciso ter a intenção de alguém. Portanto, fontes como bitucas de cigarro acesa e reflexo de cacos de vidro e latinhas, por exemplo, não têm muita importância nas queimadas.
“É muito conveniente colocar a conta na mão do clima. Se estamos nessa situação é porque tem gente ateando fogo”, disse Karla Longo, especialista do Inpe. Outros profissionais do instituto apoiam a fala, dizendo que é muito difícil um cigarro iniciar um incêndio e que a maioria dos incêndios florestais é iniciado por um isqueiro ou fósforo e depois é alimentado por gasolina ou querosene.
Com a previsão de chuvas ainda longe no horizonte, o calor deve continuar na maior parte do Brasil. De acordo com o Cemaden, o país irá ficar praticamente seco até o dia 23, com precipitação prevista apenas para o início de outubro, com exceção de algumas partes do Rio Grande do Sul e do extremo norte da Amazônia.