A jornalista Glória Maria, 72 anos, contou em entrevista que o fato de ser quem é, por si só, já é um grande posicionamento no que diz respeito ao racismo.
“Só de ser quem sou. Não tem posicionamento maior que esse. Fui a primeira pessoa a usar uma lei que existia contra o racismo. Quem não tem história, não tem cultura, não pode perguntar nada”, declarou a jornalista durante o “Roda Viva” de hoje, quando perguntaram se sente algum tipo de pressão ao se posicionar.
“Se muita gente hoje ta aí conseguindo falar sobre o racismo, é porque a Titia Glória tá aqui. Eu não tenho pele mais clara, eu sou preta mesmo. Sou enquadrada naquela categoria de preta. Então, eu acho que as pessoas primeiro tem que aprender de alma. O racismo está aí, existe e não vai acabar nem na geração cinco vezes depois da minha filha. A gente tem que aprender a usar a nossa alma, nossa inteligência, nossa cultura, para tentar acabar com ele da forma que a gente conseguir”, reforçou ela.
“Nada blinda preto de racismo, ainda mais a mulher preta. Nós somos mais abandonadas, mais discriminadas. Nada blinda a gente. Você tem que aprender a se blindar da dor, isso que é importante. Se você for esperar um blindamento universal, você está perdida”, declarou Glória ainda sobre o assunto.
A jornalista relembrou que, no começo de sua carreira, já recebia ofensas racistas por cartas e que hoje já está blindada para coisas desse tipo e que sua maior preocupação é com suas filhas. Glória tem duas filhas, Laura e Maria.
Glória Maria e suas filhas (Foto: Reprodução/Instagram)
Ela ainda contou sobre dois episódios racistas que suas filhas enfrentaram. “O amigo disse que a cor da Laura era feia. Eu usei um grupo de mães para dizer o que tinha acontecido e que elas orientassem os filhos. Falei com o serviço da escola e eles interferiram. Melhorou, mas isso não é uma questão de melhorar, porque isso vem da criança, vem da família”, comentou.
Sua outra filha, Maria, foi chamada de “macaca” em uma discussão, mas logo em seguida revidou. “Ela foi na diretoria, eu fui no dia seguinte, falei com o diretor, eles tomaram uma atitude, o menino ficou suspenso. É o pior que o menino era amiguinho dela. Ele falou porque queria machucar. A maneira que ele tinha era de ofender racialmente. Isso que eu acho uma coisa trágica, porque ele sabe que chamar de macaca é uma ofensa racial, ele foi ensinado a isso”, relatou Glória.
Glória relembrou de seu trabalho durante a ditadura militar no Brasil, quando a jornalista foi chamada de “neguinha” pelo general João Figueiredo, segundo a própria entrevistas anteriores. “Eu tive uma experiência horrível com o general Figueiredo, mas eu cobria o Ministério da Guerra e eu conseguia. Eu não sabia o que não podia e eu ia. Eu era muito menina, não sabia que eu não podia ser daquele jeito dentro de uma ditadura militar. Então eu ia, perguntava o que eu queria e era assim que eu conseguia fazer minhas coisas”, comentou.
“Eu tinha essa ingenuidade, esse descompromisso porque eu sempre tive essa visão de que tudo podia dentro daquele trabalho que eu estava fazendo”, completou a jornalista.
foto destaque: Reprodução/Instagram