A Seleção montou um esquema especial para enfrentar um recorrente problema para os times do futebol na América do Sul: jogar na altitude. Na próxima terça, às 20h30, o Brasil enfrenta a Bolívia no estádio Hernando Siles, em La Paz, a uma altitude de 3.600 metros. A delegação brasileira irá viajar na segunda à tarde, na véspera do jogo, de Rio de Janeiro para Santa Cruz de La Sierra. Após pernoitar na cidade boliviana, viaja de novo na data da partida, à tarde, e ficará cerca de seis horas em La Paz. O intuito será mitigar os efeitos da altitude.
Além disso, serão alugados entre 16 e 18 balões de oxigênio para os atletas no vestiário e, caso seja necessário, no banco de reservas. Em entrevista ao ge, o preparador físico da seleção brasileira, Fabio Mahseradjian, contou sobre o planejamento e lembrou da última vez da Seleção na altitude de La Paz, em 2017, quando o Brasil empatou por 0 a 0.
“As pessoas falam em altitude e citam ar rarefeito e menos oxigênio. Mas não é isso, não é que tem menos oxigênio. É que a pressão parcial de oxigênio cai quanto mais você sobe. Porque a concentração de oxigênio no ar atmosférico é basicamente a mesma, são 20,93% de oxigênio, 79% de hidrogênio e 0,07% de outras partículas”, esclarece o preparador.
Seleção brasileira se prepara para partida contra a Bolívia na altitude de La Paz. (Foto: Reprodução/Lucas Figueiredo/CBF)
Depois de certo tempo exposto àquela altura, seus efeitos começam a aparecer, o que é conhecido como Mal Agudo da Montanha. Os sintomas são náusea, ânsia de vômito, falta de ar, sangramento nasal e dor de cabeça intensa. Por este motivo, a seleção brasileira ficará em La Paz por tempo controlado.
Mahseradjian também esteve na altitude em 2013, pelo Corinthians, em Oruro – no triste ocorrido em que o garoto Kevin foi atingido por um sinalizador e faleceu.
“No Corinthians em 2013, em Oruro, que é ainda mais alto, 3.900 metros, não tinha como sair de lá após o jogo, porque o aeroporto não tinha iluminação. Depois do jogo, não fui nem jantar, porque passei mal, muito mal. No dia seguinte, acordei, tomei café da manhã bem leve e não via a hora de ir embora. O dr. Guilherme Runco, médico na época, me disse que nunca trabalhou tanto na vida e não teve nem tempo de passar mal. Os jogadores tiveram diversas reações. Mas elas são individuais. Danilo, meia, por exemplo, não sentiu absolutamente nada. Para ele foi como passear no parque. Mas a grande maioria sentiu”, recordou Mahseradjian.
Um relatório do técnico da Bolívia, o venezuelano César Farias, aponta que o time deles corre menos 1 km na altitude, em média. Além disso, acelerações e desacelerações são incomuns. Fábio só esteve na altitude uma vez e alerta para a contextualização desse estudo.
“A Bolívia optou por jogar com time mais velho, considerado titular, na altitude e outro mais jovem a nível médio do mar. Quando jogam a nível do mar, fora de casa, contra equipes teoricamente com mais qualidade, o time inferior tecnicamente corre mais”, disse Fábio, que reconheceu ainda que há significativa diferença.
O preparador física disse também que a Bolívia usa isso como arma e que relata isso como doping ambiental, pois os bolivianos estão acostumados com o cenário.
“Outra ação, sprint de velocidade, os atletas conseguem fazer sem problema, mas quando encerram esse sprint, na transição defensiva, o que eles relatam é o seguinte: “eu puxo o ar e parece que não vem nada.” Por que? Porque a densidade do ar é menor. Esses são os sintomas no jogo, por isso no intervalo a gente dá o balão de oxigênio e eles simplesmente se sentem melhor. Os sintomas desaparecem. Quando tira, parece que a dor de cabeça volta. É incrível.”, explica Mahseradjian.
Cesar Farias também falou ao ge e comentou a diferença estatística de dados físicos dos seus comandados dentro e fora da altitude de La Paz.
“Como sabemos, no futebol os jogos não são simétricos, mas costuma ser de 10% a 25% menor dependendo da variação física (como distância percorrida, altas intensidades, sprint, acelerações, desacelerações, metros por minuto). Cabe ressaltar que de acordo com a característica do jogo, às vezes a diferença é menor e às vezes maior. Contra o Paraguai, em La Paz, a distância de sprint (acima de 25km/h) foi a mesma do que no nível do mar, o que foi uma grande virtude dos nossos jogadores”, comentou o venezuelano.
As quatro vitórias da Bolívia nas Eliminatórias Catar 2022 foram em La Paz. Houve resultados expressivos contra o Paraguai e o Uruguai, por 4 a 0 e 3 a 0, respectivamente. Porém, com 15 pontos, a seleção está na vice lanterna e não tem chances de classificação.
A primeira derrota do Brasil nas Eliminatórias foi justamente em La Paz, em 1993. Na ocasião, o resultado ameaçou a classificação para a Copa. O resultado seguia 0 a 0 até os 43 minutos do segundo tempo, quando Etcheverry ganhou de Valber e chutou para marcar na falha de Taffarel – hoje preparador de goleiros do Brasil. A Bolívia marcou de novo dois minutos depois. Estudos bolivianos mostram que o final das partidas é a principal janela de oportunidade para marcar gols e vencer os jogos.
A seleção brasileira não vence em La Paz dede 97, quando derrotou os donos da casa por 3 a 1 na final da Copa América. Fabio Mahseradjian explica que o plano de jogo foi pensado meticulosamente para jogar na altitude de La Paz.
“Temos que tomar cuidado sim, nós passamos isso ao Tite. Ele mesmo estabelece estratégias e fala, “olha, vamos ficar com a bola no pé”. Porque quanto mais tiver jogo de transição, vamos ficar com dificuldades no final. Durante o jogo também, são estratégias para evitar esse cansaço precoce.”, disse ele.
Foto destaque: Coutinho e Richarlison correm ao lado do preparador físico da seleção, Fábio Mahseredjian. Reprodução/Lucas Figueiredo/CBF