Israel continua a cobrar para que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), peça desculpas por sua fala, que comparou o contemporâneo bombardeio e tratamento geral de civis palestinos, por parte das Forças de Defesa de Israel (IDF) na Faixa de Gaza, ao Holocausto conduzido pelos nazistas alemães contra os judeus na Segunda Guerra Mundial. Foi uma comparação que transformou Lula em persona non grata (“não bem-vinda”) no país criticado.
“O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico,” Lula afirmou em discurso no final de semana. “Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus.”
Nesta terça-feira (20), seguindo a resposta do primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi a vez do ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, afirmar nas redes sociais que a comparação é “promíscua” e “delirante“.
“Vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender História e pedir desculpas,” escreveu Katz. “Até então – continuará sendo persona non grata em Israel!“
Israel e judeus
Em contraste com parte da fala, vários judeus brasileiros já partiram para a defesa do presidente Lula, incluindo o grupo Vozes Judaicas por Libertação, que chegaram a afirmar a importância de não oprimir outros povos como antes foram oprimidos, e perpetuarem o ódio.
“A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós,” afirmaram em nota divulgada. “Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática.”
Para explicar tal diferença, vale lembrar que Israel, embora seja um Estado judaico, não é representativo de todos os judeus. Dentro de seu próprio território, existem israelenses que se recusam a integrar no exército por “objeção de consciência”, como Tal Mitnick, que foi condenado à prisão militar por sua recusa. Nesse contexto, também se explica porque o governo Lula descartou a possibilidade de pedidos de desculpas a Netanyahu, e continua reprovando suas ações, que caracteriza como “genocídio“: criticar Israel e criticar os judeus, em sua visão, são coisas completamente diferentes.
Ainda assim, o Holocausto é considerado por muitos como uma tragédia única e incomparável. Na Segunda Guerra Mundial, historiadores não-negacionistas tendem a concordar que morreram cerca de 6 milhões de judeus, enquanto que no atual conflito da Faixa de Gaza, podem ser até 29 mil palestinos mortos, de acordo com dados do Ministério da Saúde do local. Trata-se de uma diferença de escala significativa, embora existam semelhanças na proporção elevada de civis mortos, incluindo mulheres e crianças.
“Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é ultrapassar uma linha vermelha. Israel luta por sua defesa e garantia do seu futuro até a vitória completa,” já declarou Netanyahu, após o discurso de Lula.
Netanyahu e o conflito
Somando todos os seus seis mandatos, Banjamin Netanyahu tem governado sobre Israel como primeiro-ministro por mais de 16 anos. Atualmente, é considerado uma figura política controversa, no último sábado (17), retornaram os protestos em Tel Aviv, que haviam sido postos em pausa com o conflito, contra seu governo – também por suas falas radicais, uma das quais também invocou o Holocausto.
Em outubro de 2015, Netanyahu já chegou a dizer que Hitler não queria exterminar judeus e sim apenas os expulsar da Europa, mas Haj Amin al-Husseini, um líder palestino muçulmano, lhe deu a ideia do Holocausto meses antes da Segunda Guerra Mundial. Tal afirmação foi gravemente atacada por historiadores, que apontaram que o encontro desses dois indivíduos apenas ocorreu cinco meses depois de a exterminação em massa de judeus já ter iniciado, e que o discurso só servia como uma tentativa de tirar a responsabilidade de Hitler e atrelá-la aos palestinos para justificar sua ideologia.
Entre as críticas sofridas pela fala, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, recusou as acusações e reafirmou a responsabilidade do próprio país pelo massacre ocorrido. Por alguns especialistas políticos, a fala de Netanyahu chegou a tratar da tragédia como um escudo e ferramenta para atacar seus inimigos políticos, minimizando o Holocausto. No entanto, a controvérsia não foi suficiente para impedir que ele se reelegesse novamente, continuando seus projetos militares, muitos dos quais entrarem em ação durante esse conflito.
Nesta terça-feira, a fala do ministro Israel Katz, parte do gabinete de Netanyahu, usou este ponto para justificar as ações de Israel, e descartar qualquer “genocídio” apontado pelo presidente Lula, afirmando que “se não tivéssemos um exército, eles teriam assassinado mais dezenas de milhares.“
Hoje a guerra continua, apesar dos protestos em Tel Aviv contra o primeiro ministro israelense, e o bloqueio de ajuda humanitária contra o qual Lula protestou também deve ser mantido pelo governo na Faixa de Gaza. As fatalidades constam, na última atualização, em aproximadamente 1.400 israelenses e 28.500 palestinos.