O que médicos, juízes, professores universitários e pequenos empreendedores têm em comum? Segundo Alessandra Alves Ferreira, uma lacuna que compromete até as melhores trajetórias: a falta de educação financeira.
“Vi de perto profissionais com salários altíssimos entrarem em colapso financeiro. Gente brilhante, mas que nunca aprendeu o básico: como planejar, como poupar, como fazer escolhas,” conta a executiva, que hoje lidera squads de tecnologia no Itaú Unibanco — e dirige, paralelamente, o projeto social Multiplicando Sonhos.
Criado em 2017, o projeto foi pensado como uma resposta a esse problema estrutural: a ausência de formação financeira nos anos escolares, o que gera consequências profundas, mesmo entre pessoas com alto nível de instrução formal. O Multiplicando Sonhos quer mudar isso — e acaba de ser premiado pelo esforço. A iniciativa foi um dos destaques da primeira edição do Prêmio VOL, que reconhece práticas voluntárias com impacto social mensurável.
“Esperar que um adulto aprenda a lidar com dinheiro quando já tem dívidas, filhos e pressão profissional é cruel. A alfabetização financeira precisa acontecer junto da alfabetização tradicional — é uma questão de dignidade,” diz Alessandra.
Ensinar finanças é ensinar a fazer escolhas
O projeto atua em escolas públicas e privadas com oficinas práticas, em que alunos aprendem a lidar com orçamento, consumo, poupança e objetivos de curto, médio e longo prazo. A ideia é desenvolver a autonomia desde cedo, criando consciência sobre a lógica do dinheiro — mas também sobre valores, prioridades e consequências.
“A escola ensina equação de segundo grau, mas não ensina o que fazer com o salário do primeiro emprego. Isso não faz sentido. Nosso projeto traz essa conversa para o centro da formação,” explica.
O impacto é comprovado: 83% dos estudantes relatam que passaram a planejar mais o futuro após o curso, e 96% dizem ter conquistado algo novo com o que aprenderam — seja abrir uma conta, ajudar os pais, ou tomar uma decisão diferente sobre consumo.
Do mercado financeiro para a sala de aula
Com uma carreira sólida nas áreas de finanças e tecnologia, Alessandra começou como gerente de contas, migrou para investimentos e aprofundou seus estudos na Fundação Getulio Vargas (FGV). Em 2016, seu projeto de MBA foi eleito um dos 11 melhores entre 865 trabalhos de 91 turmas da instituição em todo o mundo, sendo publicado no livro “Os Melhores Projetos de MBA de 2016”.
Mas, segundo ela, o prêmio que mais importa é o que ainda não tem placa: ver jovens de periferia planejando o próprio futuro com confiança e clareza.
“Meu trabalho no Itaú me ensinou a pensar em escala, estratégia e dados. No Multiplicando Sonhos, uso tudo isso com outra métrica: a transformação real das pessoas.”
Educar para não remediar
Durante a pandemia, o projeto adaptou-se ao formato virtual com lives e conteúdos digitais, mantendo o vínculo com estudantes e professores. O retorno presencial ocorreu assim que possível, com destaque para a retomada na Escola Estadual Professor Simão Mathias, em São Paulo — uma das primeiras a reabrir as portas para o Multiplicando Sonhos.
Hoje, com o reconhecimento do Prêmio VOL 2021(evento que ocorreu em 06 de dezembro de 2021), o projeto mira mais alto: atingir todas as capitais brasileiras até 2030, alinhando-se a metas globais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — especialmente nos eixos de educação, igualdade de oportunidades e inclusão econômica.
“Multiplicar sonhos não é metáfora. É estratégia. Se a gente ensina as crianças a fazer escolhas com consciência, elas crescem com mais poder sobre a própria história.”
Alessandra continua dividida entre o mundo da tecnologia e as realidades das escolas, mas não enxerga contradição nisso. Pelo contrário: vê um elo direto entre o que aprendeu nas grandes corporações e o que deseja entregar à sociedade.
“Meu maior projeto é devolver o que recebi. E isso começa por onde tudo deveria começar: na escola.”
