Entenda o conceito de cidade-esponja de Kongjian Yu, morto em acidente aéreo no Brasil

Um avião de pequeno porte caiu na zona rural de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, na noite desta terça-feira (23), resultando na morte de quatro passageiros. Entre as vítimas estava o arquiteto chinês Kongjian Yu, idealizador do conceito de cidades-esponja e referência mundial em urbanismo e paisagismo.

Yu estava no Brasil desde o início do mês para participar da Conferência Internacional do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, em Brasília, e da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Além dele, faleceram o cineasta brasileiro Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz, o documentarista Rubens Crispim Jr. e o piloto Marcelo Pereira de Barros. Segundo a Olé Produções, empresa em que Luiz Ferraz e Rubens Crispim atuavam, o grupo estava no Pantanal gravando o documentário “Planeta Esponja”.

Resgate e investigação do acidente

A operação de resgate durou aproximadamente nove horas devido à dificuldade de acesso ao local e à distância, mobilizando três militares e uma viatura. Conforme o Corpo de Bombeiros, a aeronave caiu enquanto tentava pousar na fazenda Barra Mansa. Até o momento, as causas do acidente ainda não foram esclarecidas.

Segundo o Registro Aeronáutico Brasileiro da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o avião estava registrado em nome do piloto. O documento indica que a aeronave estava com a aeronavegabilidade em dia, mas não possuía autorização para operar como táxi aéreo.

Cidades-esponja: uma cidade que absorve a água

O conceito de cidades-esponja, desenvolvido por Kongjian Yu, foi incorporado como política nacional na China em 2013. A proposta utiliza infraestrutura verde para criar áreas alagáveis, como lagos e parques, e aplicar pavimentos permeáveis, reduzindo a dependência de sistemas tradicionais de drenagem.

Surgido como resposta às enchentes, o modelo adapta a arquitetura paisagística para absorver a água das chuvas e devolvê-la aos rios e oceanos de forma controlada. Com o uso de vegetação nativa e solos permeáveis, a técnica diminui a necessidade de concreto e cria espaços urbanos onde a água pode escoar naturalmente, evitando inundações.

Além de prevenir enchentes, o método de Yu transforma o espaço urbano em áreas arborizadas, com cursos d’água regulados, criando novos pontos de convivência e turismo.


Vista aérea do Parque alagável Yanweizhou, em Jinhua, China. Em períodos de seca, a área de retenção se transforma em espaço de lazer (Foto: reprodução/ Turenscape)

Como funciona a cidade-esponja

Diferente da gestão tradicional de enchentes, que busca canalizar a água rapidamente por canos ou reforçar margens com concreto, a cidade-esponja retém a água da chuva e desacelera seu escoamento.

O método de Kongjian Yu se baseia em três estratégias principais:

  • Reter a água no solo: grandes áreas permeáveis, lagos artificiais, açudes e telhados verdes absorvem a água assim que ela toca o solo. Valas com vegetação e camadas de solo poroso também ajudam nesse processo.
  • Desacelerar o fluxo da água: rios sinuosos, várzeas e cursos d’água vegetados reduzem a velocidade da água, evitando que ela cause destruição.
  • Criar áreas alagáveis: espaços destinados a receber o excesso de água sem danificar construções, garantindo que enchentes sejam controladas de forma natural.

Durante sua visita ao Brasil, Yu destacou que suas estratégias poderiam ser implementadas em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, sendo esta última frequentemente atingida por enchentes históricas. O modelo de cidade-esponja propõe reorganizar a gestão das águas pluviais, fortalecendo a resiliência ambiental e criando áreas verdes para lazer e convivência urbana.

Queda de avião no Pantanal mata arquiteto e cineasta durante gravação de documentário

O arquiteto chinês Kongjian Yu e o cineasta brasileiro Luiz Ferraz morreram na terça-feira (23) na queda de um avião de pequeno porte em Aquidauana, no Pantanal sul-mato-grossense. Eles estavam na região para filmar cenas de um documentário sobre o conceito de cidades-esponja, desenvolvido por Yu, quando a aeronave caiu em uma área de mata fechada. As causas do acidente ainda estão sob investigação.

Além deles, também morreram o piloto Marcelo Pereira de Barros, dono do avião, e o produtor Rubens Crispim Jr. O grupo havia decolado em missão técnica e audiovisual com objetivo de registrar inundações e soluções de drenagem natural para centros urbanos, tema central do documentário que unia os dois profissionais.

Projeto internacional interrompido por tragédia

A gravação no Pantanal fazia parte de um ambicioso projeto audiovisual que reunia especialistas de diversas áreas para debater soluções sustentáveis para as cidades. Kongjian Yu, reconhecido mundialmente como o criador do conceito de cidades-esponja, pretendia mostrar como regiões alagadiças poderiam inspirar projetos urbanos resilientes diante das mudanças climáticas.


Publicação de Kongjian Yu (Foto: reprodução/Instagram/@k0ngj1an)


Luiz Ferraz, responsável por obras como Dossiê Chapecó e To Win or To Win, comandava a direção da produção. Ele era conhecido por transformar temas complexos em narrativas acessíveis e emocionantes. A parceria entre os dois simbolizava a união entre ciência e arte na busca por impacto social. A morte repentina dos envolvidos interrompeu não apenas a filmagem, mas um movimento global por cidades mais preparadas para eventos extremos.

Legado de Kongjian Yu e Luiz Ferraz será lembrado

Yu era professor da Universidade de Pequim, doutor por Harvard e diretor da Turenscape, um dos maiores escritórios de arquitetura paisagística do mundo. Ele prestava consultoria para o governo chinês e desenvolveu projetos em mais de 70 cidades, sempre com foco em adaptação climática.

Ferraz, por sua vez, era nome conhecido nos bastidores da TV e do streaming, com indicações internacionais e foco em documentários de interesse público. Amigos e colegas lamentaram nas redes sociais, destacando o impacto do trabalho de ambos e a tristeza por uma missão interrompida tão precocemente.