Violência digital atinge milhões de brasileiras

As estatísticas oficiais brasileiras passaram a incluir a violência digital. Pela primeira vez, a Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher considerou agressões que acontecem em ambientes virtuais, e os dados apresentados são alarmantes: aproximadamente 8,8 milhões de mulheres, ou seja, uma em cada dez brasileiras com 16 anos ou mais, relataram ter sido vítimas de algum tipo de abuso digital no último ano. As informações destacam que a conexão entre violência de gênero e ambiente online está se tornando cada vez mais intensa, não podendo mais ser considerada um problema secundário.

O avanço dos crimes virtuais contra mulheres

A inclusão da violência digital na pesquisa reflete a transformação das relações sociais. O ambiente virtual deixou de ser apenas um espaço de compartilhamento de conteúdo para se tornar uma extensão direta da vida pública e privada das mulheres. É nesse cenário que aparecem agressões como ataques em redes sociais, mensagens intimidadoras, perseguição online, divulgação de conteúdos sem consentimento e até invasões de contas pessoais.

Para especialistas, a violência digital funciona muitas vezes como continuação — ou até como início — de ciclos de violência emocional, psicológica e até física. Ela atravessa fronteiras, invade rotinas e pode ocorrer a qualquer horário. Isso a torna difícil de prever e também de interromper, o que aumenta o impacto emocional sobre as vítimas.

A pesquisa e o marco histórico dos dados

O levantamento foi realizado pelo DataSenado e pelo Observatório da Mulher contra a Violência, entrevistando mais de 21 mil mulheres em todas as unidades da federação. Esta edição marca 20 anos da série histórica e inaugura a medição de formas contemporâneas de violência que antes ficavam invisíveis. Ao incorporar as agressões digitais, o estudo traz uma leitura mais completa da vida das mulheres — um passo fundamental para elaborar políticas públicas mais eficazes.

O dado central, de que 10% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência digital no último ano, mostra que o problema está longe de ser restrito a casos isolados. Assim como outras formas de violência de gênero, a agressão online também apresenta altos índices de subnotificação. Muitos episódios são naturalizados, tratados como “brincadeira”, bloqueados rapidamente ou esquecidos, o que faz com que o número real possivelmente seja ainda maior.

O impacto real de uma violência que parece invisível

Apesar de ocorrer no ambiente virtual, a violência digital provoca efeitos diretos na vida real. A vítima que recebe ameaças em mensagens privadas, por exemplo, pode desenvolver ansiedade, medo constante e sensação de vigilância. Já aquela que tem fotos íntimas divulgadas sem consentimento, sofre danos que vão desde prejuízos emocionais profundos até dificuldades no trabalho, na vida social e na construção de relacionamentos.

Para muitas mulheres, os ataques digitais são acompanhados de um sentimento de desamparo — especialmente quando o agressor utiliza perfis falsos, manipula informações ou se aproveita da impunidade no ambiente online. O impacto da violência não é apenas individual: ele afeta a sensação coletiva de segurança e participação das mulheres nos espaços digitais.

Os desafios para denunciar e enfrentar o problema

A pesquisa também evidencia um obstáculo central: a dificuldade de denunciar. Nem todas as mulheres sabem que determinados comportamentos configuram crime. Outras têm medo de retaliação, vergonha da exposição ou receio de não serem levadas a sério pelas autoridades. Em muitos casos, a prova da agressão desaparece com a exclusão de mensagens ou perfis, o que torna o processo ainda mais delicado.

O avanço da discussão pública sobre violência digital é essencial para que mais vítimas reconheçam seus direitos e busquem ajuda. Delegacias especializadas, canais de denúncia como o Ligue 180 e plataformas digitais comprometidas com moderação eficiente são pilares fundamentais para reduzir a impunidade. Além disso, a criação de programas educativos voltados à segurança digital tem se mostrado indispensável em diversos países — e o Brasil não pode ficar para trás.


Violência digital contra mulheres (Vídeo: reprodução/YouTube/Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina)


A urgência de políticas públicas que acompanhem a era digital

Os dados divulgados acendem um alerta para governos, empresas de tecnologia e sociedade. Se a violência digital cresce na mesma velocidade que o uso das redes, as respostas precisam acompanhar essa mudança. Isso inclui aprimorar leis que tratam de crimes digitais de gênero, capacitar profissionais para lidar com esse tipo de denúncia, criar mecanismos de acolhimento psicológico e jurídico e pressionar plataformas a adotarem sistemas eficazes de proteção.

A violência contra a mulher continua sendo um problema estrutural no Brasil, e agora se manifesta também em telas, aplicativos e redes. Enfrentar a violência digital é enfrentar esse problema de forma completa — e garantir que mulheres possam existir plenamente nos espaços, sejam eles físicos ou virtuais.

Perfis femininos falsos têm poder nas campanhas de influência online

Campanhas de influência na internet, promovidas por países como Rússia e China, bem como estratégias adotadas pelas grandes empresas de tecnologia, têm utilizado perfis femininos falsos para espalhar propaganda e desinformação. O uso desses perfis tem mostrado ser uma ferramenta eficaz para aumentar o engajamento e a disseminação de mensagens devido aos estereótipos de gênero que ainda prevalecem.

Segundo Wen-Ping Liu, pesquisador de desinformação e investigador do Ministério da Justiça de Taiwan, perfis falsos que se apresentam como mulheres têm maior sucesso em atrair atenção e credibilidade nas redes sociais. Liu observou isso ao estudar os esforços chineses para influenciar as eleições em Taiwan.

“Fingir ser mulher é a maneira mais fácil de ganhar credibilidade”, afirmou o pesquisador, explicando que a manipulação dos estereótipos de gênero facilita o engano dos usuários.


Smartphone com imagem representando IA (foto: reprodução/freepik)

Preferência por bots com identidade feminina

Sylvie Borau, professora de marketing e pesquisadora online, descobriu que os internautas tendem a preferir bots que se apresentam com características femininas, percebendo-os como mais humanos e acolhedores. As contas femininas são, geralmente, vistas como mais calorosas e amigáveis, enquanto as masculinos são associadas à competência e ameaças.

Perfis falsos de mulheres jovens e atraentes são eficazes para aumentar a visibilidade e o alcance online. A Cyabra, uma empresa israelense especializada em detecção de bots, revelou que perfis femininos recebem, em média, três vezes mais visualizações do que os masculinos.

Humanização da IA

A questão se estende além dos perfis falsos, envolvendo também o desenvolvimento de assistentes de voz e chatbots. O CEO da OpenAI, Sam Altman, ao buscar uma nova voz feminina para o ChatGPT, encontrou resistência devido à preocupação de que essas escolhas possam reforçar estereótipos de gênero. A atriz Scarlett Johansson, por exemplo, recusou o pedido de uso de sua voz no programa, levantando questões sobre a ética dessas práticas.

Um relatório da ONU intitulado “Os robôs são sexistas?” sugere que muitos desses perfis e bots femininos são criados por homens, ressaltando a necessidade de maior diversidade nas equipes de desenvolvimento de IA para evitar a perpetuação de estereótipos sexistas.

SUS prioriza mulheres vítimas de violência doméstica e familiar ao acesso à cirurgia reparadora

A partir da Lei Nº 14.887, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a dar prioridade à mulher vítima de violência, o acesso prioritário às cirurgias plásticas reparadoras, por equipará-las a casos de maior gravidade. A promulgação da lei foi assinada pelo Vice-Presidente, Geraldo Alckmin, junto aos ministros dos Direitos Humanos – Silvio Almeida, Planejamento – Simone Tebet, e Saúde – Nísia Trindade. A divulgação ocorreu nessa última quinta-feira (13), no DOU. A medida visa, segundo o governo federal, para além de assegurar a assistência especializada, a garantia de uma recuperação mais rápida e eficaz.

Essa medida trouxe uma modificação significativa para a Lei Maria da Penha e regulamentos correlatos às cirurgias reparadoras. Antes, o artigo 9º a centralizava na prestação de assistência, conforme nos princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social.

Modificação

O texto publicado passou a vigorar a partir das seguintes mudanças: a saída da prestação de assistência, para a urgência de atendimento prioritário às vítimas no Sistema Único de Saúde (SUS), como também, no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que, apesar da alteração, continua a utilizar a Lei Orgânica da Assistência Social, como base para princípios e diretrizes. Nesse sentido, a prioridade a assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar, será dada nos sistemas de saúde e segurança pública.


Lei Nº 14.887 foi assinada, esta última quinta-feira, pelo Vice-Presidente, Geraldo Alckmin (Foto: reprodução/Carl de Souza/getty images embed)


A Lei Nº 14.887 passa a definir os respectivos sistemas, em conjunto, de modo que, o acesso prioritário às cirurgias reparadoras seja um caso equiparado a qualquer outro caso de maior gravidade.

Na Amazônia Legal, mulheres são mais vítimas de violência

Segundo o levantamento do Instituto Igarapé, as mulheres amazônidas são mais vítimas de violência sexual e assassinatos, se comparadas as estatísticas com o resto do país. Por exemplo, de cada 10 vítimas na região, sete são meninas menores de 14 anos.


Instituto Igarapé aponta meninas menores de 14 anos, como mais vítimas da violência na Amazônia (Foto: reprodução/Collart Hervé/getty images embed)


O Relatório “A violência contra mulheres na Amazônia Legal nos últimos cinco anos em comparação com o restante do país”, divulgado em 18 de março, deste ano, indica que:

Em cinco anos (de 2019 a 2023), o homicídio doloso (premeditação e intenção de causar a morte) de mulheres teve queda de 2% na Amazônia Legal, ante 12% no restante do Brasil; 

  • A Violência não letal (não resultam em morte, como física, sexual, psicológica e patrimonial) aumentou 47% na região, contra 12% em outros estados do país;
  • A violência patrimonial (subtraia ou destrua bens) contra mulheres cresceu em 62% na região. No país, esse aumento foi de 51%;
  • A violência psicológica (atos de humilhação, desvalorização moral, etc.) na Amazônia Legal teve um salto de 82%, enquanto no restante do país, foi de 14%;
  • Os casos de violência política (violência de todas as formas, para atingir objetivos políticos) cresceram 142% nos últimos cinco anos. O estado com mais casos reportados em todo o período é o Amazonas (135 casos), seguido pelo Pará (76);
  • A violência física (ação que cause danos, lesão ou sofrimento físico) aumentou 37%, ante 3% no restante do país.

A Diretora do instituto Igarapé, Melina Riso enfatizou que, o aumento da violência política contra a mulher, nessa região, se deve ao momento em que essa mulher passa a exercer um papel de liderança no local.

A violência sexual é maior na região amazônica

O Instituto Igarapé também situa a amazônia brasileira com taxa de 30% maior de violência sexual contra as mulheres da região, do que do resto do país.

Os dados resultam de um cruzamento do sistema de saúde e segurança de estados e municípios, além de informações das organizações, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Projeto ACLED.

Melina Riso, ao g1. “A gente está vivenciando o momento de mudanças climáticas, e olhar para as mulheres e pensar nelas como protetoras desse ambiente é absolutamente central”, diz.

Os casos de violências são interpretados a partir de um processo histórico, em que muitas das vezes, é singular da Amazônia. A exemplo, o conflito ambiental, desmatamento ou facções vinculadas ao tráfico. Esses elementos ao se cruzarem, aumentam o confronto na região e consequentemente, geram um crescimento de agressões contra as mulheres.