Leucovorina: remédio defendido por Trump para autismo gera dúvidas sobre eficácia

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, realizou uma série de declarações nessa segunda-feira (22), em uma coletiva de imprensa diretamente da Casa Branca, sobre o autismo. Além de argumentar que o consumo de paracetamol por gestantes contribui para que a prole desenvolva a condição, Trump defendeu a utilização do farmacêutico leucovorina para o tratamento do transtorno. 

Junto ao chefe da Food and Drugs Administration (FDA, a agência de regulação sanitária dos Estados Unidos), Marty Makary, o governante estadunidense anunciou negociações para mudança no rótulo da leucovorina, a fim de facilitar o acesso à droga por indivíduos autistas no sistema público de saúde.

A primeira declaração, a respeito do paracetamol, foi criticada por entidades médicas estadunidenses pelos estudos sobre o tema ainda serem inconclusivos, mas e a leucovorina? Trump tem razão ao advogar pelo uso da substância?

Droga pode ser eficaz no combate à deficiência cerebral de folato

Para ser conciso, as pesquisas sobre a relevância da leucovorina para o tratamento de autismo encontram-se em estágio inicial. Estudos do começo dos anos 2000 mostraram que o remédio pode agir contra o bloqueio de um tipo de vitamina B (o folato) no sistema nervoso, experimentado por certos indivíduos com autismo. 


Neuropediatra Karen Baldin explica para quem o medicamento pode ser indicado (Vídeo: reprodução/YouTube/@neurodesenvolver)


Uma pesquisa de 2013, por sua vez, sugeriu que 75% das crianças com autismo apresentariam tal bloqueio. Ainda segundo esses testes, quando tratadas com leucovorina, foi observada uma melhora da linguagem e comunicação verbal das crianças.

Os resultados foram posteriormente confirmados em pequenos ensaios clínicos na França, Índia, Singapura, China e Irã. O pesquisador responsável, no entanto, foi categórico ao afirmar que cada caso é particular, pois cada organismo é diferente do outro.

Uso intensivo pode prejudicar bem-estar infantil

Os defensores do medicamento costumam dizer que, por consistir em uma alta dosagem vitamínica, ele não faz mal e o corpo elimina seu excesso. Há, no entanto, especialistas que contrariam essa tese. Evidências mostram que o uso excessivo de leucovorina em crianças podem intensificar problemas estomacais já presentes na rotina de crianças com autismo, como náusea, vômito, diarreia e perda de apetite.

Ainda mais sério é o risco de aumento de convulsões em pacientes que utilizam medicamentos anticonvulsivantes e intensificação da hiperatividade. A isso, soma-se o fato de que diferentes pesquisas apontam para efeitos modestos da substância no tratamento do autismo.

Nesse sentido, especialistas da área da saúde e funcionários da FDA, na condição de anonimato, ouvidos pela CNN dos Estados Unidos, opinaram que a aprovação de um medicamento tão pouco rigorosamente testado para tais fins pode abrir precedentes perigosos e criar falsas esperanças para várias famílias. 

Para o bem ou para o mal, a realidade é que as recentes ações de Trump provocaram uma alta expressiva na popularidade do medicamento entre as famílias com crianças no espectro autista, disparando, assim, a automedicação de uma droga cujos resultados científicos são ainda pouco conclusivos.

Gravidez inesperada: remédios para perder peso podem sabotar anticoncepcionais

A MHRA, agência reguladora do Reino Unido, emitiu um alerta nesta quinta-feira (6) sobre a possível redução da eficácia de contraceptivos orais em usuárias de remédios para emagrecer como Ozempic, Wegovy e Mounjaro. O aviso veio após a notificação de dezenas de casos de gravidez relacionados ao uso desses medicamentos.

Como funcionam Ozempic, Wegovy e Mounjaro

Ozempic e Wegovy, que contêm semaglutida, imitam o hormônio GLP-1, estimulando a liberação de insulina, retardando a digestão e reduzindo o apetite. Já o Mounjaro, à base de tirzepatida, atua também sobre um segundo hormônio ligado ao controle da fome e do açúcar no sangue. O Dr. Channa Jayasena, especialista em endocrinologia reprodutiva e andrologia do Imperial College Healthcare NHS Trust, explicou: “Os medicamentos emagrecedores imitam os hormônios naturais produzidos no intestino que dão a sensação de saciedade”. Por isso, são tratamentos eficazes para ajudar as mulheres a perder peso.


Mulher usando medicamento GLP-1 (Foto: reprodução/Freepik/@Shutterstock)


Mais estudos ainda são necessários

Apesar dos alertas já presentes nas bulas, ainda são necessários mais estudos para compreender melhor a possível relação entre o uso desses medicamentos e a redução da eficácia dos contraceptivos orais. As orientações oficiais recomendam a interrupção do uso dos emagrecedores em caso de dependência exclusiva de métodos contraceptivos orais, e sugerem o uso de alternativas não orais, como preservativos, dispositivos intrauterinos (DIU) ou implantes hormonais. Além disso, os fabricantes alertam sobre os riscos à saúde fetal, incluindo a possibilidade de aborto espontâneo, em casos de gravidez durante o tratamento — ponto que também exige investigação mais aprofundada.

O uso desses medicamentos com finalidade estética ainda gera controvérsias entre a população e profissionais da saúde. Por se tratar de uma aplicação relativamente recente, é consenso que mais pesquisas são necessárias para compreender seus impactos a longo prazo. A crescente popularização desse novo uso tem sido acompanhada de perto por agências reguladoras e especialistas, visando minimizar ou neutralizar possíveis efeitos adversos em pessoas que buscam o tratamento exclusivamente para emagrecimento.