Apartamento 03 transforma a história de Benjamim de Oliveira em moda e emoção no SPFW N60

No último dia do SPFW N60, a Apartamento 03 emocionou o público ao levar para a passarela a história de Benjamim de Oliveira, o primeiro palhaço negro a conquistar sucesso no Brasil. Mineiro nascido alforriado em 1870, Benjamim fugiu com o circo e tornou-se um dos pioneiros do teatro-circo nacional, além de cantor, ator e compositor.

Também mineiro, Luiz Cláudio Silva, diretor criativo da marca, mergulhou em uma pesquisa profunda sobre o artista, iniciada a partir do livro “Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil”, de Erminia Silva. O estilista manteve contato com a família de Benjamim, que compartilhou fotografias e lembranças, transformando o processo criativo em um exercício de afeto e respeito histórico.

Dandismo negro e o encanto do picadeiro

O resultado dessa imersão é uma coleção que une alfaiataria tradicional e elementos lúdicos, numa interpretação contemporânea do dandismo negro. Fraques, cartolas, bengalas e golas rufo aparecem reinterpretados em silhuetas modernas e fluidas, em uma harmonia entre o rigor da forma e a leveza do movimento, assim como o próprio artista que inspirou o desfile.


Desfile da Apartamento 03 no SPFW (Foto: reprodução/Instagram/@spfw)

A passarela foi tomada por tecidos dourados e pretos, representando o brilho e a sofisticação de Benjamim. Brocados, lurex, matelassês e plissados convivem com losangos, poás e xadrezes, em alusão às tendas e cortinas do circo. A madeira, tratada para se assemelhar ao couro, surge em detalhes esculturais, enquanto as penas e plumas simbolizam proteção espiritual e ancestralidade.


Backstage e desfile da Apartamento 03 no SPFW (Foto: reprodução/Instagram/@apartamento03)

As joias, criadas em parceria com Carlos Penna, incluem peças em formato de cadeira, referência ao antigo costume de o público levar o próprio assento ao picadeiro. Já o artista plástico Will assina o retrato de Benjamim que se transforma em estampa, uma ponte visual entre passado e presente.

Moda como memória e resistência

Com um casting formado majoritariamente por modelos negros (95%), o desfile da Apartamento 03 reforça o compromisso de Luiz Cláudio com a representatividade e a valorização da cultura afro-brasileira. Sem recorrer a caricaturas, o estilista reinterpreta símbolos históricos com sofisticação e sensibilidade, transformando a memória de Benjamim em uma narrativa de futuro.

Em meio aos aplausos, o desfile se encerrou como um manifesto poético, um convite a olhar para o passado não com nostalgia, mas com orgulho e potência criativa, reafirmando a moda como um espaço de resgate, emoção e liberdade.

Santa Resistência leva as águas místicas do oceano à passarela da SPFW

No último sábado (18), a passarela da São Paulo Fashion Week foi inundada por “Águas de Si: Quando a Mulher Veste Mar”, nova coleção de verão da estilista baiana Mônica Sampaio, diretora criativa da grife Santa Resistência. Na passarela, referências a figuras femininas míticas, como Afrodite, Iemanjá, Iara e Atargatis deram o tom do desfile, que foi embalado por canções de Maria Bethânia e Clara Nunes.

Inspiração para a coleção: Mulheres oceano

Mônica Sampaio se inspirou na potência feminina para criar esta coleção: “Desde a primeira sereia, que surgiu na Odisseia, de Homero, nós temos a Vênus de Botticelli, da mitologia; sereia Iara, da nossa cultura indígena; e Iemanjá, da nossa cultura Yorubá, que atravessou o oceano vindo de território negro e é uma das divindades mais cultuadas no Brasil, independente da religião.” Mulheres fortes, protetoras dos mares. “Ao mesmo tempo que ela protege, leva para o fundo do mar também.”, reflete a estilista, que também traz a mulher real para o desfile “A esposa do marido pescador, as mulheres ribeirinhas que trabalham com escama de peixe, com artesanato e linha de pesca.”. A coleção simboliza a ligação mágica e de proteção entre o feminino e as águas.

Para dar forma a coleção, Mônica trouxe à passarela do evento texturas e volumes franzidos e formas sinuosas como as ondas e correntes marítimas. Predominaram as cores: verde-água, azul, branco, salmão e dourado.


Desfile Santa Resistência | SPFW N60 (Foto: reprodução/Instagram/@_the_vault_)

Colaborações femininas

A estilista baiana, é conhecida por se inspirar em figuras femininas fortes para suas coleções, como Maria Quitéria, Maria Padilha e Elizabeth de Toro, que foram homenageadas em coleções anteriores. Nesta coleção, Mônica foi além e contou com a colaboração de artistas talentosíssimas na criação: três estampas da coleção foram feitas a partir das aquarelas criadas pela designer Marcela Citon, uma delas, criada em parceria com a artista plástica Adriana Varejão, que fundiu duas de suas obras “Celacanto Provoca Maremoto” e “Figura de Convite III” em estampas de azulejo. Além delas, outra parceria que trouxe graciosidade ao desfile foram os dois looks esculturais de crochê, um representando Iemanjá e o outro águas-vivas, criados por Mônica e a artista têxtil, Milena Guerke.

Conhecidas por expressar arte em escamas, as artesãs da Associação Farol de Cabedelo, na Paraíba, assinaram dois looks: um vestido feito com linha de pesca e escamas de camurupim e um conjunto masculino do mesmo material. Entre suas referências e parcerias, Mônica quis transmitir nessa nova coleção leveza e fluidez e ao mesmo tempo a força e a potência presentes no interior feminino.

Matéria por Marian Bezerra do portal LorenaR7

Dendezeiro traz a efervescência dos Bailes Black dos anos 1970 à passarela da SPFW

A marca baiana Dendezeiro, comandada pela dupla de estilistas Pedro Batalha e Hisan Silva, levou à passarela da São Paulo Fashion Week N60, no último sábado (18), o desfile “Brasiliano 3: Lei da Vadiagem”. A apresentação encerrou a trilogia que vem discutindo, por meio da moda, questões históricas e políticas ligadas à identidade negra e periférica no Brasil.

Desta vez com foco no impacto da legislação que criminalizava a pobreza e as manifestações culturais das periferias. A coleção traz referências dos Bailes Black dos anos 1970 e 1980.

Coleção “Brasiliano 3”

Criada em 1941, durante o Estado Novo, a chamada “Lei da Vadiagem” foi usada por décadas como instrumento de repressão. Essa lei permitia a prisão de indivíduos considerados “ociosos” ou “sem ocupação”, sendo mais aplicada a jovens negros que frequentavam espaços culturais como bailes funk, rodas de samba e blocos de carnaval.

É a partir dessa crítica que a Dendezeiro constrói sua narrativa visual. O desfile resgata e ressignifica a estética dos bailes black dos anos 1970 e 1980 e homenageia a resistência cultural que floresceu mesmo diante da criminalização imposta na época.


Desfile da Dendezeiro SPFW N60 (Foto: reprodução/Instagram/Danilo Grimaldi/@agfotosite)

Com uma coleção que mistura alfaiataria com referências do streetwear, a Dendezeiro fez da passarela um palco político. Os looks exploram padronagens como xadrez e listras, associadas às festas suburbanas, com tecidos como couro de tilápia, recortes ousados e ombros estruturados que desafiam o tradicionalismo da moda. O funk, movimento marginalizado e constantemente atacado, aparece aqui como protagonista do manifesto da marca.


MC Carol e MC Cabelinho desfilam para Dendezeiro (Foto: reprodução/Instagram/Danilo Grimaldi/@agfotosite)

MC Carol e Cabelinho se uniram ao casting de modelos, reforçando a presença de vozes periféricas e populares. A trilha sonora do desfile foi composta por funks de protesto e discursos potentes, como o de Mano Brown que completaram a atmosfera do desfile.


Desfile da Dendezeiro SPFW N60 (Vídeo: reprodução/Instagram/@eucabs)


Encerramento da trilogia “Brasiliano”

Desde 2022, a Dendezeiro vem desenvolvendo a série “Brasiliano” como forma de repensar os marcos da história brasileira pela ótica de quem foi sistematicamente silenciado. O primeiro capítulo da trilogia abordou o autoritarismo do Estado Novo; o segundo, a resistência da Cabanagem no Norte do Brasil; e o último, a criminalização da cultura negra por meio da Lei da Vadiagem.

A marca, nascida em 2018, em Salvador, vem se consolidando como uma das mais relevantes da nova geração da moda nacional. Não apenas por sua estética plural, mas por usar a moda como um canal de articulação política, de denúncia e de reconstrução identitária.

Matéria por Marian Bezerra do portal LorenaR7