Inteligência artificial impulsiona a procurar por planetas parecidos com a Terra

Apesar de décadas de exploração fora do Sistema Solar, os cientistas só identificaram cerca de 20 sistemas com planetas potencialmente semelhantes à Terra, entre os quase 6 mil exoplanetas conhecidos atualmente. A busca por mundos que possam abrigar vida continua, agora com a ajuda cada vez mais expressiva da inteligência artificial, com o objetivo de encontrar pistas em locais antes pouco considerados.

Estrelas menores podem ser as mais promissoras

A inteligência artificial tem se tornado essencial na busca por exoplanetas que possam abrigar vida. Quando os cientistas falam em mundos “semelhantes à Terra”, querem dizer planetas com massa parecida à da Terra e que orbitam na zona habitável da sua estrela, uma a região onde a água líquida pode existir na superfície. Porém, estar nessa zona não garante habitabilidade, pois o planeta pode não ter água, atmosfera ou sinais de vida.

Segundo pesquisadores, em sistemas com estrelas menores, como as anãs vermelhas e alaranjadas, essa zona habitável fica mais próxima da estrela. Isso facilita a detecção de planetas rochosos nessas regiões, porque eles completam suas órbitas mais rapidamente, tornando a observação com os equipamentos atuais mais prática.


Representação da órbita de um exoplaneta, o HD 20794 d (Vídeo: reprodução/YouTube/University of Oxford)

Modelo prevê planetas ainda não identificados

A astrofísica francesa Jeanne Davoult, que trabalha no Centro Aeroespacial Alemão (DLR), aposta na inteligência artificial para tornar o processo mais eficiente. Ela e sua equipe utilizam algoritmos avançados que conseguem identificar padrões complexos em dados astronômicos, facilitando a tarefa de prever quais estrelas têm maior chance de abrigar um planeta rochoso na zona habitável.

Em um artigo recente na revista Astronomy & Astrophysics, Davoult explica que usa a inteligência artificial para evitar buscas sem direção definida, reduzindo o tempo e esforço para encontrar esses mundos. Para isso, sua equipe treinou um modelo de IA com o algoritmo Random Forest, que analisa as características dos sistemas planetários e indica quais têm mais chance de ter planetas parecidos com a Terra.

Estrelas menores e mais duradouras são foco na busca por vida

Estrelas menores que o Sol, como as anãs laranjas do tipo K e as anãs vermelhas do tipo M, têm um tempo de vida muito maior do que o nosso Sol. Essa longevidade é um ponto importante para os cientistas que buscam vida inteligente em outros sistemas, pois uma estrela que brilha por mais tempo oferece mais chances para que a vida evolua ao seu redor.

Para entender melhor como os planetas se formam nesses sistemas, a equipe de Davoult criou modelos computadorizados de três grupos diferentes de sistemas planetários, que variam apenas pelo tamanho da estrela central. Essa variação afeta a quantidade de material disponível para formar planetas, influenciando suas características. Assim, estudar estrelas de diferentes tamanhos é fundamental para identificar onde podem existir planetas parecidos com a Terra.

“É difícil comparar diretamente os sistemas simulados com os reais, porque sabemos que nosso modelo não é perfeito”, afirma Davoult. “Mas, quando analisamos os padrões gerais, vejo essa ferramenta como algo muito poderoso.” O objetivo é criar um banco de dados confiável de planetas semelhantes à Terra para estudar melhor suas características e a possibilidade de vida.

Exoplaneta próximo à Terra pode ter água líquida e atrai atenção científica

Cientistas internacionais confirmaram a existência de um exoplaneta que pode ser habitável e está localizado a apenas 20 anos-luz da Terra. O HD 20794 d orbita uma estrela semelhante ao Sol, na chamada zona habitável, região em que as condições permitem a existência de água líquida, um dos principais requisitos para a vida.

Sistema planetário e desafios para observação direta

Descoberto há dois anos pelo astrônomo Michael Cretignier, da Universidade de Oxford, o HD 20794 d é classificado como uma superterra, pois possui uma massa pelo menos 5,8 vezes maior que a do nosso planeta. O planeta integra um sistema com outros dois planetas orbitando uma estrela tipo G, semelhante ao Sol, a cerca de 19,7 anos-luz de distância.

Um dos desafios para estudá-lo é que ele não transita em frente à sua estrela quando visto da Terra. Esse alinhamento é importante para que a luz da estrela atravesse a atmosfera do planeta e possa ser analisada. Apesar disso, sua proximidade torna possível, no futuro, a observação direta de sua atmosfera com telescópios mais avançados, segundo o professor Xavier Dumusque, da Universidade de Genebra.


Representação da órbita do exoplaneta HD 20794 d (Vídeo: reprodução/YouTube/University of Oxford)

Zona habitável e possíveis condições para vida

O grande atrativo do HD 20794 d é sua posição na zona habitável, uma região ao redor de uma estrela onde as temperaturas podem permitir água em estado líquido. Para estrelas similares ao Sol como a HD 20794, essa faixa costuma variar entre 0,7 e 1,5 unidades astronômicas (UA), sendo que 1 UA equivale à distância média entre a Terra e o Sol.

O planeta leva 647 dias para completar uma volta ao redor de sua estrela, o que indica que ele orbita dentro dessa zona. No entanto, sua órbita é elíptica, e não circular como a da Terra. Isso faz com que ele se aproxime até 0,75 UA da estrela e se afaste até 2 UA, variando bastante a energia recebida.

Esse comportamento pode fazer a água, se existir, alternar entre gelo e líquido, dependendo da distância do planeta em relação à estrela. Para os cientistas, essa dinâmica ajuda a entender como diferentes órbitas influenciam a habitabilidade e pode servir de base para testar modelos teóricos.


Simulação do exoplaneta HD 20974 d e dos outros planetas do seu sistema (Foto: reprodução/Nasa)

Confirmação do exoplaneta exigiu tempo e tecnologia

A primeira indicação do HD 20794 d veio em 2022, quando o astrônomo Michael Cretignier analisava dados coletados pelo espectrógrafo HARPS, instalado no Observatório de La Silla, no Chile. O instrumento detecta pequenas mudanças na luz da estrela, que podem indicar a presença de planetas ao identificar oscilações causadas pela gravidade deles.

No entanto, o sinal encontrado era delicado e gerou dúvidas, o que poderia ser causado por uma atividade natural da estrela ou até mesmo por falhas nos instrumentos. Para garantir a confiabilidade dos dados, a equipe usou uma versão mais avançada do espectrógrafo, o ESPRESSO, também no Chile, que possui maior precisão para detectar pequenas variações.

Após dois anos de análises minuciosas e cruzamento de dados, a equipe identificou com segurança três planetas orbitando a estrela HD 20794, incluindo o HD 20794 d. Apesar de ainda não ser possível afirmar se o planeta pode abrigar vida, ele se tornou um dos principais alvos para futuras missões de observação direta da atmosfera de exoplanetas.