Brasileiros pagos para escanear a íris relatam problemas com aplicativo do projeto

Brasileiros que aderiram ao projeto de escaneamento de íris em troca de dinheiro enfrentam dificuldades para receber suporte da World. O projeto tem o objetivo de coletar a íris humana para criar um banco de dados biométricos mais desenvolvido que a impressão digital. Nos últimos meses, a iniciativa tem se expandido na periferia de São Paulo.

Proibição de novos cadastros

Na terça-feira (11), a empresa interrompeu o registro de novos usuários no país. A decisão foi tomada após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, negar um recurso e proibir definitivamente que a empresa pague os participantes pela coleta dos dados.

Além de negar o recurso de efeito suspensivo, a ANDP também ordenou que a World cumpra a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e apresente um encarregado pelo tratamento de dados pessoais coletados no Brasil.

Pagamento dos usuários

Segundo relatos de pessoas ouvidas pelo G1, a maior reclamação dos usuários é referente ao World App, implementação inicial do projeto.

O aplicativo, estabelecido como meio oficial de suporte e atendimento, é utilizado para armazenar a remuneração dos usuários. No entanto, as queixas sobre o aplicativo são frequentes.

“Por causa do erro no saque, eu desinstalei o aplicativo e reinstalei, mas agora ele diz que a senha está errada, mesmo eu digitando corretamente”, relatou Vivian Caramaschi, uma das participantes.

O pagamento dos usuários é realizado através das criptomoedas “Worldcoin”. 24 horas após o escaneamento da íris, vinte moedas são depositadas na plataforma. Durante o ano, outras 28 Worldcoins são fornecidas mensalmente aos participantes. As criptomoedas podem ser vendidas por até R$ 600.

O valor incentiva a participação das pessoas na iniciativa. A empresa afirma que, futuramente, a biometria feita com a íris será capaz de diferenciar seres humanos de robôs de inteligência artificial (IA). 


Problemas com suporte

Os usuários também relataram que foram buscar suporte após perderem o acesso de suas contas, e a empresa não deu retorno. Segundo Vivian:

Tentei entrar em contato pelo chat do app várias vezes e o problema não foi resolvido. Então, decidi vir aqui na loja. Aí me disseram que talvez eu tenha sido banida por alguma atividade suspeita. Mas que atividadeNão sei, e não deixei ninguém mexer no celular. Perdi a conta e o dinheiro

O usuário Nilson dos Santos também afirmou que está enfrentando dificuldades para receber a segunda parte do pagamento. “O suporte é robótico e chega um momento que ele não responde mais. Aqui no ponto de coleta de íris, os funcionários sempre direcionam seu problema para o chat no World App”, disse.

Em sua central de atendimento, a empresa informa que a desinstalação do aplicativo é a última alternativa para recuperar o acesso, visto que existem riscos na realização desse processo.


Cristiano Barbosa, Vivian Caramaschi e Nilson dos Santos enfrentam problemas para receber o pagamento oferecido pela World (Foto: reprodução/Darlan Helder/g1)

O empreendimento afirma que o processo de coleta da biometria é anônimo, e justifica que seus não são treinados para funcionários são treinados resolver problemas dos usuários, e sim para explicar como o projeto funciona e realizar a coleta de dados.

Devido à repercussão do caso, a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) informou que está analisando a situação. Entretanto, como se trata de um assunto novo, é necessária uma investigação maior nas denúncias.

COMUNICADO

A World oferece um canal de suporte no World App, pelo qual os atuais participantes podem esclarecer suas dúvidas a respeito dos tokens. Esclarece também que os operadores dos espaços físicos são o ponto de contato para orientação sobre o processo de verificação. O back-up do World App é fundamental para a utilização do app. No momento do download do World App, as pessoas têm a opção de fazer o back-up no local de sua preferência ou incluir um número de celular para recuperar a sua conta, o que é opcional. Não há período mínimo em que o World App precise estar instalado, podendo haver a desinstalação e a reinstalação, desde que tenha sido realizado o back-up.

Escaneamento de íris é suspenso no Brasil

O projeto World, que tem por objetivo escanear a íris humana para registro e criação de identidade digital, será suspenso no Brasil temporariamente. O comunicado ocorreu nesta terça-feira (11), após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ter mantido a negativa dos pagamentos que ocorriam em troca do escaneamento da íris.

Parte da ação da empresa Tools for Humanity (TFH), o projeto World foi lançado nacionalmente em novembro do ano passado. A empresa nunca forneceu mais informações sobre o objetivo do escaneamento, muito menos sobre quaisquer protocolos de segurança; apenas que seria gerado uma identidade global para diferenciar os humanos de inteligências artificiais.

Como o escaneamento da íris funciona

É feito um cadastro através do aplicativo da World, no qual é indicado onde o procedimento acontecerá. No local, é apresentado um vídeo com informações rasas sobre o que será feito, sem explicar de fato o que será realizado, e o que será feito com esse dado tão único e precioso.

Após a apresentação, as pessoas se enfileiram para utilizar um dispositivo em formato de uma pequena esfera prateada, chamado Orb, que escaneia a íris e, a partir de sua imagem, gera um código criptografado único.

Em troca, a empresa fornece o pagamento em criptoativos, que não são liberados imediatamente e, quando trocados, não chegam a mil reais.


Especialista fala sobre os perigos de se vender a íris (Vídeo: reprodução/X/@LucGS0)

Bloqueio do projeto

No final de janeiro, mais de 400 mil brasileiros já haviam realizado esse processo inseguro e sem viés algum. A fim de proteger a população, a ANPD coibiu o programa de trocar dinheiro pelo escaneamento de íris, argumentando que a compensação financeira compromete a livre manifestação de vontade dos usuários.

Todavia, alguns dias depois, houve a suspensão da desautorização, para análise do recurso da THF. Durante a análise, a empresa prosseguiu com os pagamentos e as verificações no país.


Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife posta thread sobre por que não vender a íris (Foto: reprodução/X/@institutoiprec)

Decisão da ANPD quanto ao escaneamento da íris

Nesta terça-feira, o Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados publicou no Diário Oficial, que o recurso que a Tools for Humanity apresentou foi negado após averiguação. Desta forma, os pagamentos e registros permanecem suspensos.

Foi negado também o pedido do World de 45 dias para inserir mudanças no aplicativo, sendo solicitado pela autarquia que estas ações ocorram imediatamente após a intimação.

Postos permanecerão abertos

Por enquanto, a World atua apenas em São Paulo, onde seus mais de 50 postos permanecerão abertos, mas seu plano é de extensão para as demais cidades brasileiras. Em nota, a empresa informou que contribuirá com a determinação, educando e informando o público sobre o propósito do projeto.

A relatora do caso e diretora da ANPD, Miriam Wimmer, disse que o valor fornecido pela empresa faz com que a escolha dos usuários seja distorcida, pois teriam a tendência de ignorar os riscos envolvidos no processo.