Cientistas criam primeiro eclipse solar artificial no espaço

A Agência Espacial Europeia (ESA) apresentou imagens históricas de um eclipse solar criado de forma totalmente artificial no espaço, parte da missão Proba-3, que utiliza dois satélites em voo altamente sincronizado para reproduzir as condições de um eclipse total, permitindo o estudo contínuo da coroa solar, que é a camada mais externa e quente da atmosfera do Sol. As imagens foram apresentadas durante o Paris Air Show, evento que ocorreu na França.

Eclipse programado a cada 19 horas

Desde seu lançamento em dezembro de 2024, a missão já realizou com sucesso dez eclipses artificiais em órbita, com o mais longo durando cinco horas. Os dados coletados têm potencial para aprofundar a compreensão sobre fenômenos solares que impactam diretamente a Terra, como o vento solar e o clima espacial.

A Proba-3 é composta por dois satélites. O primeiro, chamado de Occulter, atua como uma espécie de lua artificial. Com um disco de 1,4 metro de diâmetro, ele bloqueia a luz solar, criando uma sombra precisa que atinge o sensor do segundo satélite, o Coronagraph, posicionado 150 metros atrás. Essa configuração reproduz o efeito de um eclipse total.


Occulter ocultando o sol para criar um eclipse solar parcial para Coronagraph captar coroa solar (Foto: reprodução/Agência Espacial Europeia)

A órbita elíptica da dupla dura cerca de 19,6 horas. Durante esse período, os satélites criam um eclipse completo por até seis horas, algo impossível de alcançar com eclipses naturais, que ocorrem no máximo duas vezes ao ano e duram poucos minutos. O posicionamento preciso é controlado de forma autônoma, usando GPS, lasers, rastreadores de estrelas e comunicação via rádio.

Dados abertos para todo o mundo

O estudo da coroa solar é importante para a astrofísica porque, mesmo distante do núcleo, ela atinge temperaturas acima de dois milhões de graus Fahrenheit, mais altas que a superfície do Sol. É também dessa região que se originam o vento solar e o clima espacial, capazes de afetar satélites, redes elétricas e comunicações na Terra. Em paralelo, a Agência Espacial Europeia atua em projetos para prever tempestades solares e reduzir seus impactos, além de operar satélites voltados ao monitoramento das mudanças climáticas.

As imagens divulgadas foram processadas pelo Observatório Real da Bélgica e são compostas por três exposições diferentes, cada uma com tempos de abertura variados, o que permite capturar com fidelidade os detalhes da coroa solar. A missão opera em uma órbita altamente elíptica, variando de 600 km a 60.000 km da Terra, para reduzir a interferência da gravidade terrestre e da atmosfera, permitindo que os satélites se mantenham estáveis e sincronizados.


Coroa solar captada pelo Proba-3 (Foto: reprodução/Agência Espacial Europeia)

A missão Proba-3, que tem um orçamento de US$ 210 milhões, também adota política de dados abertos, disponibilizando todo o material, inclusive os registros brutos, para cientistas e entusiastas ao redor do mundo. Com previsão de durar dois anos, o projeto deve reunir cerca de mil horas de imagens da coroa solar antes de ser desativado e desintegrado na atmosfera da Terra.

Inteligência artificial impulsiona a procurar por planetas parecidos com a Terra

Apesar de décadas de exploração fora do Sistema Solar, os cientistas só identificaram cerca de 20 sistemas com planetas potencialmente semelhantes à Terra, entre os quase 6 mil exoplanetas conhecidos atualmente. A busca por mundos que possam abrigar vida continua, agora com a ajuda cada vez mais expressiva da inteligência artificial, com o objetivo de encontrar pistas em locais antes pouco considerados.

Estrelas menores podem ser as mais promissoras

A inteligência artificial tem se tornado essencial na busca por exoplanetas que possam abrigar vida. Quando os cientistas falam em mundos “semelhantes à Terra”, querem dizer planetas com massa parecida à da Terra e que orbitam na zona habitável da sua estrela, uma a região onde a água líquida pode existir na superfície. Porém, estar nessa zona não garante habitabilidade, pois o planeta pode não ter água, atmosfera ou sinais de vida.

Segundo pesquisadores, em sistemas com estrelas menores, como as anãs vermelhas e alaranjadas, essa zona habitável fica mais próxima da estrela. Isso facilita a detecção de planetas rochosos nessas regiões, porque eles completam suas órbitas mais rapidamente, tornando a observação com os equipamentos atuais mais prática.


Representação da órbita de um exoplaneta, o HD 20794 d (Vídeo: reprodução/YouTube/University of Oxford)

Modelo prevê planetas ainda não identificados

A astrofísica francesa Jeanne Davoult, que trabalha no Centro Aeroespacial Alemão (DLR), aposta na inteligência artificial para tornar o processo mais eficiente. Ela e sua equipe utilizam algoritmos avançados que conseguem identificar padrões complexos em dados astronômicos, facilitando a tarefa de prever quais estrelas têm maior chance de abrigar um planeta rochoso na zona habitável.

Em um artigo recente na revista Astronomy & Astrophysics, Davoult explica que usa a inteligência artificial para evitar buscas sem direção definida, reduzindo o tempo e esforço para encontrar esses mundos. Para isso, sua equipe treinou um modelo de IA com o algoritmo Random Forest, que analisa as características dos sistemas planetários e indica quais têm mais chance de ter planetas parecidos com a Terra.

Estrelas menores e mais duradouras são foco na busca por vida

Estrelas menores que o Sol, como as anãs laranjas do tipo K e as anãs vermelhas do tipo M, têm um tempo de vida muito maior do que o nosso Sol. Essa longevidade é um ponto importante para os cientistas que buscam vida inteligente em outros sistemas, pois uma estrela que brilha por mais tempo oferece mais chances para que a vida evolua ao seu redor.

Para entender melhor como os planetas se formam nesses sistemas, a equipe de Davoult criou modelos computadorizados de três grupos diferentes de sistemas planetários, que variam apenas pelo tamanho da estrela central. Essa variação afeta a quantidade de material disponível para formar planetas, influenciando suas características. Assim, estudar estrelas de diferentes tamanhos é fundamental para identificar onde podem existir planetas parecidos com a Terra.

“É difícil comparar diretamente os sistemas simulados com os reais, porque sabemos que nosso modelo não é perfeito”, afirma Davoult. “Mas, quando analisamos os padrões gerais, vejo essa ferramenta como algo muito poderoso.” O objetivo é criar um banco de dados confiável de planetas semelhantes à Terra para estudar melhor suas características e a possibilidade de vida.