Manifesto Surrealista comemora centenário com presença marcante no universo fashion

No período entre as duas grandes guerras, o escritor francês André Breton, comovido pelo terror da Primeira Guerra Mundial, e igualmente convencido de que a racionalidade do universo masculino gerava tantos horrores, procurou uma alternativa “irracional”, baseada nas grandes descobertas feitas durante a época nos campos do subconsciente e da psicanálise. Assim, junto de Yvan Goll, Marcel Alland e Guillaume Apollinaire (criador da denominação), trouxe ao mundo o Manifesto Surrealista.


Capa da revista “Minotaure”, de caráter surrealista, do pintor Salvador Dali (Foto: reprodução/Elle)

O movimento começou limitado ao universo artístico, mas graças a seu caráter fantasioso, seu recorrente uso de jogos visuais e sua inteligente subjetividade, indagou criadores de outros campos de atuação a produzirem, com o propósito de questionar o mundo ao seu redor. A estética surrealista, em pouco tempo, dominou o mundo do cinema, da fotografia e, principalmente, da moda. 

Quando se lê a frase: “Neste verão as rosas serão azuis e a madeira é de vidro”, presente no Manifesto, fica mais compreensível o tamanho do apelo que a vanguarda gerou no universo fashion. 

O Surrealismo fantasioso de Schiaparelli 

Elsa Schiaparelli talvez seja o nome com mais relevância quando o tópico é a moda surrealista, e em plena efervescência desse universo no início do século XX, a estilista italiana abusou da estética irracional de maneira elegante e acentuada.


Traje desenhado por Elsa, no começo dos anos 30, com design chamativo para época (Foto: reprodução/Instagram/@schiaparelli)

Entre as marcas registradas da grife italiana, se destaca a técnica “trompe l’oeil” (metodologia artística que abusa da ilusão de ótica), e a criação de acessórios de formatos irreverentes, como luvas com unhas pintadas, sapatos com saltos em formato de patas de animais e o destaque para a anatomia do corpo humano, com peças, em tamanho exagerado, que replicaram bocas e orelhas.


Acessórios desenhados por Elsa Schiaparelli (Foto: reprodução/Instagram/@schiaparelli)

O DNA surrealista se fez tão forte durante os anos de história da casa, que até hoje, sob o comando do diretor criativo Daniel Roseberry, o espanto ao estranho e a surpresa com o novo são características presentes nos lançamentos durante as principais semanas de moda do calendário internacional. 

O universo onírico de Alexander McQueen

Em meio às turbulências e dúvidas da embaçada década de 90, o icônico estilista inglês Alexander McQueen chocava o universo da moda com suas criações absurdas e muitas vezes arrepiantes, de maneira que inquietava os telespectadores e trazia novamente a tona o princípio surrealista.

Coleção “Dante”, de Alexander McQueen, no ano de 1996, com inspiração no universo do catolicismo (Foto: reprodução/Nick Knight/Dazed)

Com coleções criadas para uma das principais grifes do mercado, a Givenchy, e, posteriormente, sua própria casa homônima, McQueen abusa de elementos irreais e desejava que o público espectador adentrasse nas maravilhas e medos de seus sonhos e pesadelos através de suas criações. Desafiava também o conceito de belo do universo da moda, enquanto frequentemente aproveitava-se do impossível.

A alta-costura desconstruída de Viktor & Rolf

A dupla holandesa é uma das principais figuras no cenário atual quando o assunto é surrealismo na moda. De maneira inovadora e provocativa, a alta-costura da casa sempre questiona padrões estéticos e de construção das peças, garantindo a cada coleção e desfile um espetáculo conceitual.


Coleção de Viktor & Rolf de 2009, primavera/verão (Foto: reprodução/Marie Claire)

De forma divertida e contemporânea, a marca brinca com medidas e posições dos elementos que compõem vestidos, que construídos de maneira tradicional, se enquadrariam no que se já é esperado em uma semana de moda de alta-costura. Essa a linha tênue que a dupla gosta de caminhar sobre, a recriação, de maneira irracional e subversiva, de conceitos esteticamente tradicionais no universo da moda. 

Outros nomes também marcam a presença surrealista no mundo fashion. Desde da dramática Thom Browne, a tecnológica Iris Van Herpen e a divertida Moschino, o Manifesto elaborado em 1924 nunca deixou de estar presente, de diversas maneiras, nesses 100 anos desde seu nascimento.

Confira os destaques de beleza da Semana de Alta-Costura de Paris

Na cidade da luz, a Semana de Alta-Costura atraiu a atenção do mundo com as criações dos principais designers e grifes do universo da moda. Mas enquanto todos os olhos estão voltados para as roupas, outras tendências passam despercebidas pela maioria.

A beleza, entre maquiagens e cabelos, também guarda o que esperar do futuro no mundo beauty. Abaixo, estão sete das principais tendências apresentadas durante a semana.


Nars cria beleza para desfile de Iris Van Herpen (Foto: reprodução/Brasil Beauty News)

Atenção ao vermelho


Beleza para desfile Stephane Rolland (Foto: reprodução/Instagram/@__jsmanagement)

Os lábios vermelhos foram a estrela no quesito beleza durante o desfile do estilista francês Stephane Rolland. A cor escolhida se destacava em contraste com a maquiagem de pele limpa e luminosa. Os lábios ficavam ainda mais chamativos quando comparados com os looks predominantemente pretos e o cenário calidamente branco. 

Acessório romântico


Chanel aposta na acessorização com laços (Foto: reprodução/Instagram/@chanel)

A francesa Chanel apresentou uma coleção que honrou o DNA histórico da casa e para completar o looks a escolha partiu para a acessorização dos cabelos, deixando a maquiagem o mais delicada e simplória possível. 

A maison apostou em laços grandes, entre preto e brancos, para carregar o ar romântico desejado a coleção. As peças construíram uma silhueta diferente nas cabeças das modelos.

O retorno do grunge


Maquiagem esfumada para Elie Saab (Foto: reprodução/Instagram/@eliesaabworld)

Em contrapartida a grife francesa, a coleção do estilista libânes Elie Saab, foi contemplada com uma beleza que revive o estilo grunge: olhos pretos esfumados e cabelos presos despenteados.  

Azul em tudo


Beleza para Schiaparelli (Foto: reprodução/Instagram/@schiaparelli)

Também apostando no olhar esfumado, a italiana Schiaparelli trouxe a sombra azul para a passarela. Em um tom claro, com uma técnica muito esfumada, o sombreado extrapolava as pálpebras e chegava perto das têmporas.

O butterfly cut e as franjas


Cabelo para Viktor&rolf (Foto: reprodução/Instagram/@viktorandrolf)

A estética geométrica e cubista do desfile da grife Viktor&Rolf foi complementada pela escolha de styling do cabelo das modelos. Apostando em franjas e no divertido butterfly cut, os looks ainda ganharam ondas surrealistas, do início até o fim dos fios. 

Rosto perolado


Beleza para Iris Van Herpen (Foto: reprodução/Instagram/@narsissist)

O desfile de Iris Van Herpen foi marcado pela teatralidade, e a beleza não podia ficar de fora. As modelos tiveram seus rostos adornados com aplicações de pérolas em formatos orgânicos, traçando uma espécie de caminhos pelos seus rostos.

A volta do cabelo curto


Beleza para Armani (Foto: reprodução/Instagram/@aldocoppola)

A Armani apostou na nova tendência das redes e se rendeu ao short bob – nome em inglês para o corte de cabelo curto. Estrelas como Hailey Bieber e Bruna Marquezine já apostaram nesse estilo, que fica famoso cada vez mais rápido. 

Semana de moda em Paris exibe glamour e ostentação à moda antiga

A Semana de Alta-Costura de Paris começou e brilhou com uma exibição deslumbrante de luxo e glamour. As passarelas foram dominadas por criações extraordinárias de renomadas grifes, como Chanel, Alexis Mabille, Stéphane Rolland, Charles de Vilmorin, Imane Ayissi e Giorgio Armani Privé. Cada desfile trouxe sua própria interpretação de elegância e sofisticação, cativando os espectadores com designs inovadores e detalhados. Os destaques do dia incluíram desde peças clássicas e atemporais até ousadas e modernas, mostrando a versatilidade e a criatividade incomparáveis do mundo da alta-costura.

Maison no comando criativo da Chanel

Surpreendendo a todos, a grife iniciou o segundo dia de desfiles sem revelar o sucessor de Virginie Viard, que já não estava à frente desta coleção de alta-costura. O Estúdio Criativo da maison assumiu a responsabilidade e apresentou uma linha que homenageia a essência da marca com uma série de trajes luxuosos para festas. A passarela na Ópera Garnier se transformou em um espetáculo de glamour com vestidos de tafetá adornados com pedrarias, bordados detalhados, laços elegantes, longas capas majestosas, volumosas peças de tule e os icônicos conjuntos de tweed. Cada look parecia celebrar a rica história da casa, encantando o público com sua sofisticação e esplendor.



Iris Van Herpen

Em uma verdadeira exposição de arte em movimento, na sequência do encantamento promovido por Iris Van Herpen, Stéphane Rolland, Charles de Vilmorim e Imane Ayissi trouxeram um toque de surrealismo às passarelas. Rolland apresentou uma performance teatral protagonizada por Coco Rocha, vestida em uma estrutura de flores brancas, evocando o inesquecível traje de Rihanna no Met Gala 2023. Charles de Vilmorim desafiou a normalidade com uma coleção que retratava uma diatópica família em um asilo, mesclando contrastes e desconstruções que flertavam com o estilo camp. Imane Ayissi, por sua vez, fundiu a graça do balé com a rica cultura africana, desfilando vestidos vibrantes confeccionados com tecidos pesados, franjas, estampas geométricas e aplicações de fuxico, criando um espetáculo visual e culturalmente rico.



Pedras preciosas em um cenário burlesco

Alexis Mabille encantou seus convidados ao recriar a atmosfera exuberante de um cabaré do início do século XX. Em meio a um ambiente festivo repleto de champanhe e a performance fascinante de Dita Von Teese, a coleção desfilou com uma paleta vibrante que evocava o brilho de pedras preciosas. Cada look refletia o glamour e a ousadia da época, transportando todos para uma noite inesquecível de sedução e espetáculo. O designer centrou sua coleção em torno da imagem de uma pantera negra, presente em vestidos e acessórios de cabeça. Detalhes festivos se destacaram, como brincos gigantes que lembravam candelabros antigos e uma bolsa em formato de taça. No final, Dita Von Teese fez uma performance dentro de uma taça, evocando sua aparição no clipe “Bejeweled”, de Taylor Swift.


Dita Von Teese no desfile de Alexis Mabille (Video: reprodução/X/@rebecamaccise)

Giorgio Armani e a representação dos anos 20


Giorgio Armani Privé fechou o dia em grande estilo, optando por uma abordagem mais minimalista e elegante. Os convidados foram transportados para a década de 1920, encantados pelo som suave dos vestidos enfeitados com cristais e pérolas. No entanto, a verdadeira declaração de glamour veio com os conjuntos de cetim e matelassê. Estes trajes, com casaquetos de ombros marcados, cinturas definidas, calças fluidas, saias midi e macacões, irradiavam opulência e sofisticação, fazendo com que cada peça fosse um luxo refinado.

Paredes se tornam passarelas: a Alta-Costura de Iris van Herpen

A menos de um mês das Olimpíadas de Paris, no mesmo cenário da semana de alta-costura, Iris Van Herpen funde elementos de exposição de arte com o imaginário das deusas do Olimpo, inspiradas na cultura grega, assim como os Jogos Olímpicos.

Outras maisons, como a Dior, também incorporaram elementos que homenageiam o Olimpo. A marca comandada por Maria Grazie Chiuri invoca tal estética a partir de com túnicas brancas simples amarradas na cintura, e sandálias baixas com tirar até os joelhos.


Peça desfilada no último desfile de alta-costura da Dior (Foto: reprodução/Stephane Cardinale-Corbis/ Getty Images Embed)


No entanto, Van Herpen trouxe a referência de maneira inovadora, permanecendo fiel ao estilo característico de sua marca.


Vídeo da grife Iris Van Herpen apresentando a coleção (Foto: reprodução/Instagram/@irisvanherpen)


A grife holandesa fez uma ode às musas do Olimpo, que na mitologia grega são nove, assim como a coleção, que também exibe o mesmo número de looks.

Mantendo suas características comuns, como a modernidade e o caráter etéreo, a maison explora a mitologia grega de forma nada óbvia.

Iris Van Herpen

Desde o lançamento de sua marca homônima em 2007, Iris van Herpen tem desafiado consistentemente os limites da moda. Combinando artesanato tradicional e inovações tecnológicas avançadas, suas criações não apenas transcendem as convenções estéticas, mas também redefinem o conceito de vestuário como arte. Cada peça é uma fusão harmoniosa de escultura e funcionalidade, estabelecendo uma marca distintiva no cenário da moda contemporânea.

Em sua nova coleção, quis trazer um novo lado seu, o amor pela escultura e pintura, como disse a designer durante a apresentação de sua coleção.

“Pude perceber a abordagem interdisciplinar em todo o meu trabalho, mas faltava algo que sempre fez parte de mim: meu amor pela escultura e pela pintura”

Iris Van Herpen

Iris van Herpen sempre cultivou a interdisciplinaridade em seu trabalho, expandindo para além da moda ao incorporar sustentabilidade, tecnologia e arquitetura. Recentemente, ela explorou uma nova faceta ao integrar pintura e escultura em suas criações, ampliando ainda mais os limites do que pode ser alcançado na moda contemporânea.

Musas do Olimpo

A coleção, de maneira discreta homenageia as figuras das musas do olimpo, presentes na mitologia grega.

Cada musa é conectada a uma ciência ou arte específica, como música, dança, poesia. Abençoadas com talentos artísticos extraordinários, elas também possuem grande beleza, graça e fascínio.


Quadro Musas dançam com Apolo de Baldassare Peruzzi (Foto: reprodução/Wikipédia)

Outro fator são os looks fazem alusão a deusas específicas da mitologia grega. Por exemplo, muitos traços são inspirados em borboletas, que simboliza a musa Psyche, que foi transformada em uma borboleta após se casar com Eros, o deus do amor


Look Iris Van Herpen inspirado em borboletas (Foto: reprodução/Instagram/@irisvanherpen)

Além disso, a maneira como foram apresentadas é semelhante à forma como as esculturas gregas são expostas em museus.


Sala das Cariátides no Louvre (Foto: reprodução/Wikipédia)

No Museu do Louvre, localizado em Paris, sede da alta-costura e das Olimpíadas de 2024, há uma sala dedicada ao helenismo conhecida como Sala das Cariátides. A disposição das obras nessa sala lembra bastante o desfile de Iris Van Herpen, que demonstram movimento de maneira estática.