Mauro Cid, tenente-coronel aliado de Bolsonaro, é preso após vazamento de áudios

Nesta sexta-feira (22), foi preso novamente o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Jair Bolsonaro (PL), por mandato do ministro Alexandre de Moraes. A decisão ocorre após o vazamento de áudios em que Cid ataca a Polícia Federal (PF) e o Supremo Tribunal Federal (STF), além de expor sua revolta com a situação.

Todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo, né. O presidente teve PIX de milhões, ficou milionário,” reclamou Mauro Cid em no áudio vazado, sobre a possível condenação. “Se eu não colaborar, vou pegar trinta, quarenta anos, porque eu tô em vacina, eu tô em joia.

Com isso, não apenas Mauro Cid corre o risco de perder a delação premiada – que poderia, com a colaboração na investigação, reduzir a sua pena – mas também o tenente-coronel foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) por “descumprimento das medidas cautelares e obstrução da Justiça“.


Jair Bolsonaro ao lado de Mauro Cid (Foto: Reprodução/Secom)

Acusações de Mauro Cid

Os áudios foram gravados após o último depoimento de Mauro Cid à Polícia Federal, que ocorreu no dia 11 de março e durou cerca de oito horas. Neles, além de reclamar que “ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira” como ele, foram levantadas sérias acusações ao próprio processo de investigação.

Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo,” disse o tenente-coronel. “Eles estão com a narrativa pronta.

Além do desabafo, ter feito com que o Alexandre de Moraes acionasse outro mandado de prisão, a Polícia Federal, que cumpriu um novo mandado de busca e apreensão na residência do militar, também afirmou ter sido “levianamente” acusada e que busca explicações sobre as afirmações dos áudios.

Operação Tempus Veritatis

A operação delegada por Alexandre de Moraes trata justamente de punir agentes políticos que buscavam implantar um golpe no estado brasileiro com base em ataques às instituições brasileiras como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Agora, por atacar o processo de investigação como injusto, a operação pode interpretar os áudios vazados como mais uma tentativa de debilitar as instituições.

Antes de ser preso, Mauro Cid foi também indiciado na semana passada junto do Bolsonaro e outras 15 pessoas por falsificar cartões de vacina, algo que é mencionado nos áudios vazados. Por isso, além de responder por suas acusações, agora o tenente-coronel também atrelado aos crimes de uso de documento falso, inserção de dados falsos no sistema, e falsidade ideológica de documento público.

Bolsonaro teria apresentado documento com decreto golpista, segundo ex-comandante do Exército

Nesta sexta-feira (15), foram divulgadas as últimas informações sobre o depoimento do ex-comandante Marco Antônio Freire Gomes à Polícia Federal, em que ele confirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria lhe apresentado – e também a outros comandantes do Exército – um rascunho de decreto para instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral.

O depoimento ocorreu no dia 1º de março, com a condição de testemunha, e durou aproximadamente 7 horas. De acordo com o relato de Freire Gomes, o documento foi apresentado por Bolsonaro às Forças Armadas em uma reunião no Palácio da Alvorada em dezembro de 2022, e se assemelhava à minuta descoberta pela PF durante as investigações.

No documento ficava explícito como objetivo a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral“, que serviria para que os militares pudessem “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral“.


Ex-comandante da Aeronáutica, Baptista Junior (Foto: reprodução/Agência Brasil/Marcelo Camargo/O Globo)

Freire Gomes

Filipe Martins (ex-assessor de Bolsonaro) leu o referido conteúdo aos presentes e depois se retirou do local, ficando apenas os militares, o então ministro da Defesa e o então Presidente da República, Jair Bolsonaro,” afirmou o ex-comandante Freire Gomes.

O caso do documento se desenvolveu, além desta reunião, em outras duas. No dia 14 de dezembro de 2022, foi apresentada uma outra versão do decreto, novamente no Palácio da Alvorada, com algumas edições no decreto. Em outra data não especificada, houve uma terceira reunião em que “o então presidente Jair Bolsonaro apresentou uma versão do documento com a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral para ‘apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral‘.”

Nesta última reunião, em que também estava presente o ex-comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, os dois “afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto” e disseram que Bolsonaro “não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude.” A recusa de participar na ruptura constitucional foi confirmada por diferentes testemunhas, e poderá contribuir para o avanço nas investigações.

Tempus Veritatis

Desde o começo de fevereiro, a operação Tempus Veritatis tem, em colaboração com a Polícia Federal, utilizado prisões preventivas, confisco de passaportes, e coleta de depoimentos para investigar o caso das eleições de 2022, em que Bolsonaro poderia ter planejado um golpe de estado.

No dia 25 de fevereiro na Avenida Paulista, o ex-presidente chegou a reclamar que seus decretos estariam dentro dos limites constitucionais, e portanto não tratariam de golpe em si. Mas o testemunho do ex-comandante agora parece desmentir isso, uma vez que nas reuniões foram apresentadas como hipóteses algumas medidas inconstitucionais, e que passavam por cima do Tribunal Superior Eleitoral.

Após apresentar a possibilidade de realizar um golpe de Estado caso derrotado nas urnas por Lula, Freire Gomes chegou até a ameaçar prender Jair Bolsonaro, em evento que foi corroborado por Baptista Junior. Esta nova evidência pode acelerar as investigações, que tendem a incriminar o ex-presidente.

Alexandre de Moraes nega pedido de Bolsonaro para adiar depoimento à PF

Nesta segunda-feira (19), Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou mais um pedido de adiamento para o depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à Polícia Federal. Com isso, a data para essa etapa da investigação será mantida para esta quinta-feira (22).

De acordo com Moraes, a decisão é justificada pelo fato de que a defesa do ex-presidente já possui “acesso integral à todas as diligências e provas reunidas aos autos” e, portanto, “não há motivos para qualquer adiamento do depoimento marcado pela Polícia Federal para o dia 22 de fevereiro próximo“.

No mesmo dia, como parte da Operação Tempus Veritatis – que desde o 8 de fevereiro investiga pessoas que poderiam estar envolvidas em uma tentativa de golpe de Estado e abolição da democracia brasileira – também devem prestar depoimentos à PF outros investigados próximos de Bolsonaro, como seus ex-assessores. Outros suspeitos de conspiração incluem ex-ministros e militares do seu governo, muitos dos quais também devem prestar depoimentos, ou ter providências tomadas a seu respeito pela cúpula do Exército.


Bolsonaristas em Brasília durante atos golpistas do 8 de janeiro (Foto: reprodução/AFP/Sérgio Lima)


Investigação da PF

Entre as evidências descobertas até o momento pela Polícia Federal, as mais relevantes divulgadas envolvem dois arquivos: um texto encontrado no escritório de Bolsonaro com ensaio de discurso decretando o Estado de Sítio no Brasil, e um arquivo de vídeo retratando uma reunião ministerial de 15 de julho de 2022, em que o então presidente cobrava a participação dos presentes em uma campanha de desinformação.

No discurso encontrado – documento que a PF confirmou que Bolsonaro analisou e até ajustou – está declarada a intenção de impor no país o Estado de Sítio (suspendendo a autoridade dos poderes Legislativo e Judiciário), e a Garantia da Lei e da Ordem (uso do Chefe de Estado das Forças Armadas), que em conjunto bastam para realizar um golpe e impedir a continuidade do processo democrático.

O texto justifica tais ações a partir da “resistência” a leis injustas, e a “restauração” da ordem no Brasil. Tal discurso, a análise suspeita, combina com as estratégias discutida na reunião gravada, onde ele convocou os participantes para denunciarem supostas fraudes no sistema eleitoral, com argumentos sobre irregularidades em urnas eletrônicas. A campanha de desinformação contra a Justiça Eleitoral teria sido incentivada como forma de justificar medidas em reação.

Daqui pra frente, quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui,“ o ex-presidente afirmou no vídeo.

Severidade do caso

A justificativa utilizada pela defesa de Bolsonaro para adiar o depoimento seria de que ela não possui todos os arquivos e mídias sendo avaliados no caso, o que Alexandre de Moraes refutou. Atualmente, o ex-presidente não pode se reunir ou comunicar com outros investigados para discutir o que vai informar, e ele está privado de seu passaporte para garantir que não fuja do país, como a investigação afirma que ocorreu após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.

Ao todo, são várias medidas para combater quaisquer possíveis irregularidades e demonstrar a severidade do caso – ou seja, para garantir que não ocorram mais eventos como a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023. A ideia é traçar claros limites contra a interferência no processo democrático brasileiro.

No entanto, parte da oposição já se manifestou chamando as medidas que foram tomadas em relação ao caso de excessivas. O senador Flávio Bolsonaro (PL), por exemplo, já havia em setembro do ano passado, durante sessão da CPI do 8 de janeiro, comparado as prisões dos atuantes no ataque contra a Praça dos Três Poderes com detenções de judeus por nazistas, invocando o Holocausto.