FDA autoriza testes clínicos de transplante de rim de porco em humanos

Nesta segunda-feira (8), os Estados Unidos autorizaram os primeiros testes clínicos de transplante de rim de porco em humanos. A decisão da Food and Drug Administration (FDA) representa um marco histórico na medicina e abre caminho para que uma técnica inovadora possa, no futuro, ser aplicada em larga escala. A medida busca enfrentar a grave escassez de órgãos disponíveis para transplante, que hoje deixa milhares de pessoas em longas filas de espera.

Etapas para levar a inovação à prática clínica em escala

A técnica começa na pesquisa genética, com porcos modificados para reduzir riscos de rejeição — removendo antígenos glicânicos e inserindo genes humanos, além de desativar retrovírus por meio da ferramenta CRISPR. Já foram realizados transplantes em humanos sob diretrizes especiais: o primeiro foi em março de 2024, e o paciente faleceu por causas não relacionadas ao transplante. Em fevereiro de 2025, um segundo paciente, Tim Andrews, recebeu com sucesso um rim gene-editado da eGenesis, funcionando bem e livrando-o da diálise.


Porcos geneticamente modificados criados em fazenda no estado da Virgínia, EUA (Foto: reprodução/Andrew Caballero-Reynolds/Getty Images embed)


O passo seguinte foi a autorização da FDA, agência responsável pela regulação de alimentos e medicamentos nos EUA, para um ensaio clínico formal com 30 pacientes com mais de 50 anos, em diálise e na lista de espera por um rim humano — um avanço importante para validar a segurança e eficácia em ambiente controlado.

Panorama das inovações e questões éticas

O xenotransplante — uso de órgãos animais em humanos — vem avançando rapidamente. Além dos rins, corações de porco também são analisados em animais, com resultados promissores. No entanto, persistem desafios técnicos, como compatibilidade anatômica, diferença de temperatura corporal, longevidade do órgão e riscos imunológicos. No quesito ético, surgem debates sobre o bem-estar animal, consentimento informado dos pacientes, monitoramento de longo prazo e justiça no acesso à tecnologia. A FDA também envolveu pacientes e grupos de defesa nestes debates, valorizando transparência e ética durante os encontros EL-PFDD.

Uma nova era para os transplantes

A autorização dos testes clínicos marca o início de uma nova era na medicina de transplantes. Se os ensaios forem bem-sucedidos, porcos geneticamente modificados poderão se tornar uma fonte viável de rins, reduzindo drasticamente mortes na fila de espera. Porém, avanços científicos e vigilância ética devem caminhar juntos para que essa inovação beneficie a todos com segurança e justiça.

Homem recebe fígado de porco em transplante na China

Primeiro transplante de fígado de porco geneticamente modificado em uma pessoa viva é feito na China. A cirurgia foi realizada em maio no First Affiliated Hospital da Anhui Medical University na província de Anhui em um homem de 71 anos. O procedimento foi considerado inovador e a faculdade é pioneira no transplante de fígado de porcos para humanos. 

Em entrevista à revista científica Nature, o cirurgião líder do transplante, Sun Beicheng, disse que o paciente está muito bem após a realização da cirurgia. Beicheng também diz que a família do idoso demonstrou interesse no xenotransplante após exames mostrarem que só o fígado dele  não seria suficiente para permanecer vivo. O paciente inicialmente apresentava um grande tumor no lobo direito do seu fígado e por isso não era elegível para receber um órgão humano. Os exames indicavam que o fígado apresentava um funcionamento demasiadamente mal  e assim não teria um bom resultado pós cirúrgico. 

A retirada do lobo direito do fígado foi realizada em 17 de maio, sendo substituído por um órgão de porco de 514 gramas. O porco foi submetido a alterações genéticas pela própria equipe de cirurgia para que o corpo não rejeitasse o novo órgão. Para isso, foram desativados três genes que contribuem para a produção de açúcares na superfície da pele do porco que poderiam ser atacadas pelo sistema imunológico humano. Além disso, foram introduzidos sete genes que expressam proteínas humanas.

Os xenotransplantes

O xenotransplante é uma nova prática da ciência que consiste na troca de órgãos entre espécies diferentes. O transplante realizado na China foi o quinto xenoplanstante feito, logo depois de em março ter ocorrido um transplante de um rim de porco num paciente humano vivo. Atualmente essa é uma prática que está em ascensão e diversos centros de pesquisa no mundo estudam as possibilidades. No Brasil, a USP se destaca como uma faculdade que em abril inaugurou o primeiro biotério dedicado à criação de porcos para gerar órgãos geneticamente modificados.

Ainda assim, a prática apresenta desafios como a rejeição do órgão transplantado, o crescimento indevido do órgão e até mesmo a transmissão de doenças. Os xenotransplantes procuram diminuir o déficit de doadores de órgãos. No Brasil, por exemplo, a fila para transplantes de rim chegam a 34 mil pacientes segundo o relatório mais recente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e nos três primeiros meses de 2024 quase 670 pessoas morreram sem receber um rim, cerca de 7 inscritos por dia.

Por que porcos?


Porcos são usados em transplantes de órgãos (Reprodução/Unsplashed Imagens)

A ciência diz que os suínos seriam os melhores doadores para um xenotransplante por causa da anatomia dos órgãos ser a mais próxima a dos humanos e porque eles são criados e abatidos em grande escala para o consumo. Por isso, o uso de seus órgãos é mais aceito pela sociedade. Outra vantagem é a diferença de tamanho estre as raças de porcos, assim, poderia ser possível o transplante para diversas faixas etárias como por exemplo para crianças.

É necessário fazer modificações no porco antes da retirada do órgão. É preciso silenciar certos genes identificados como incompatíveis aos seres humanos. Ainda não há consenso em quantos genes precisam ser silenciados. Essas pesquisas só foram possíveis depois de experiências de clonagem com a ovelha Dolly no final dos anos 1990 e pelo sequenciamento genômico humano completo no início dos anos 2000.

Primeiro xenotransplante em paciente vivo é realizado nos EUA

Na quinta-feira (21), o Massachusetts General Hospital, localizado em Boston nos EUA, anunciou que realizou o primeiro transplante do mundo de um rim de porco geneticamente editado em um humano vivo, no último dia 16. Embora o quadro do paciente fosse gravíssimo e sem divulgação de um prognóstico para expectativa de vida pós procedimento, a cirurgia foi um sucesso.

O que é xenotransplante

O xenotransplante é o transplante de órgãos de espécies diferentes. Rins e coração são os principais órgãos que vem sendo estudados para esse tipo de transplante. A rejeição do órgão transplantado, o crescimento indevido do órgão e a transmissão de doenças estão entre os desafios a serem superados.


“É uma solução promissora para a crise de escassez de órgãos que enfrentamos.” Leonardo Riella (foto: reprodução/Twiter/X/@LRviella)

Segundo Riella, apenas nos últimos dez anos foi que o CRISPR permitiu a correção das diferenças que causam rejeição. CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats/ Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas) é uma técnica revolucionária de edição genética que se baseia na descoberta de que as proteínas Cas cortam o DNA, desde que seja dado a elas um RNA de reconhecimento adequado. Abre-se um grande leque de opções, uma vez que o RNA pode ser sintetizado no laboratório.

A técnica

Para minimizar a transmissão de doenças, os cientistas usam a fertilização in vitro e manipulam o DNA do ovo fecundado, antes que ele se transforme em embrião. É retirada a parte da cadeia genética responsável pela produção de enzimas proteínas que causam rejeição em humanos. Para potencializar a edição genética e evitar qualquer risco de contaminação, os porcos usados em transplantes são criados em condições estéreis.

O órgão suíno foi fornecido pela empresa eGenesis e submetido a 69 edições genômicas com a tecnologia CRISPR-Cas9, também conhecida como “tesouras mágicas” e que foi laureada com o Prêmio Nobel em 2020. Além da remoção de genes que causariam rejeição, foram adicionados genes para melhorar a compatibilidade em humanos.

Paula Felix

Nosso sistema imunológico pode tratar o órgão transplantado como uma infecção e o atacar, mesmo nos transplantes tradicionais. Para evitar a rejeição dos órgãos transplantados, são administrados imunossupressores.


Rim de porco é esperança para quem está na fila de transplante (Foto: reprodução/Getty Imagens Embed)


Segundo o Ministério da Saúde, até quarta-feira (20), havia 42 mil pessoas na fila de espera por algum órgão, no Brasil. Desse total, 39 mil aguardam por um rim, representando 92% da fila de espera.