Juristas e autoridades divergem sobre a “Lei Antifacção” e o combate ao crime organizado

O projeto de lei conhecido como Lei Antifacção, apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional, reacendeu um intenso debate sobre os rumos da segurança pública no Brasil. Criada com o objetivo de fortalecer o enfrentamento às organizações criminosas, a proposta original foi modificada pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PL-SP), e passou a incluir medidas consideradas mais duras — entre elas, a equiparação de facções ao crime de terrorismo.

O texto altera a Lei nº 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo, e prevê penas mais severas, maior integração entre órgãos de segurança e ampliação dos instrumentos de bloqueio de bens. Segundo Derrite, a intenção é “dar ferramentas mais eficazes ao Estado para combater o poder paralelo das facções”, que têm expandido suas redes de influência dentro e fora dos presídios.

O governo federal, contudo, vê o novo formato com cautela. O Ministério da Justiça argumenta que a equiparação entre facção e terrorismo pode trazer riscos jurídicos e diplomáticos, além de abrir margem para interpretações equivocadas sobre movimentos sociais.

O projeto está na pauta de terça-feira (11) da Câmara. À noite, o relator se reuniu com o presidente Hugo Motta, do Republicanos. No fim do encontro, Motta disse, em rede social, que intermediou uma conversa entre Derrite e o diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, para garantir que a PF manterá as atribuições nas investigações contra o crime organizado.

Críticas de juristas e especialistas

Juristas e entidades de direitos humanos se posicionaram contra o texto modificado, alegando que a proposta pode violar garantias constitucionais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, destacou que o conceito de terrorismo é tipificado de maneira restrita em tratados internacionais e não deve ser ampliado para abarcar crimes comuns, ainda que graves.


STF reunido em sessão (Foto: reprodução/Evaristo SA/Getty Images Embed)


A advogada criminalista Soraia Mendes alertou que o projeto, da forma como está, “mistura política criminal com ideologia”, o que pode gerar abusos na aplicação da lei. Já o ex-secretário de segurança José Vicente da Silva Filho defendeu parte das mudanças, afirmando que o combate ao crime organizado exige “mecanismos rápidos, eficientes e integrados entre União e estados”.

No Congresso, o tema divide bancadas. Parlamentares da base governista pedem ajustes para manter o foco no fortalecimento da inteligência policial e na desarticulação financeira das facções, enquanto a oposição apoia o texto endurecido, argumentando que a violência crescente exige medidas excepcionais.

Desafio: combater o crime sem violar direitos

Nos últimos anos, o avanço de facções em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará evidenciou a necessidade de uma legislação mais robusta para lidar com o crime organizado. A “Lei Antifacção” surge nesse contexto, tentando equilibrar eficiência punitiva e garantias democráticas.

Especialistas em segurança pública defendem que o enfrentamento ao crime deve combinar repressão com políticas sociais e reestruturação do sistema prisional. “O poder das facções nasce do abandono do Estado em comunidades vulneráveis”, explica o sociólogo Michel Misse, da UFRJ.

O debate, portanto, vai além das penas: envolve como o Estado brasileiro enxerga a criminalidade e define seus limites de atuação. Entre o rigor penal e a proteção das liberdades civis, o desafio será aprovar um texto que uma as duas dimensões sem comprometer a legalidade democrática.

Gleisi Hoffmann diz que governo é contra projeto que trata facções como terrorismo

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou nesta quarta-feira (5) que o governo federal é “terminantemente contra” o projeto de lei que equipara facções criminosas ao terrorismo. Em primeiro lugar, a declaração ocorreu durante uma entrevista no Palácio do Planalto. Ainda segundo Gleisi, a proposta cria brechas que podem permitir a intervenção de outros países no Brasil.

Hoffmann destacou que “O terrorismo tem objetivo político e ideológico. Pela legislação internacional, isso abriria margem para interferências externas. Nós não concordamos com isso”. Além disso, também lembrou que o país já possui leis específicas para o combate às facções criminosas.

Governo prioriza PEC da Segurança e projeto Antifacção

A ministra explicou que o governo concentra esforços em duas pautas no Congresso Nacional: o PL Antifacção e a PEC da Segurança. Portanto, após a aprovação da reforma do Imposto de Renda, essas propostas se tornaram prioridade para o Planalto. “Esperamos que o relator finalize logo o relatório, para que o Senado aprove o texto como está. Precisamos de base legal para intensificar as operações integradas”, afirmou Gleisi. Ela também disse ter conversado com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e líderes partidários, pedindo celeridade nas votações.


Hugo Motta, ao centro, durante uma votação no Congresso Nacional em Brasília (Foto: reprodução/Getty Images Embed/Ton Molina)


Ainda assim, o projeto de lei antifacções, apresentado recentemente pelo governo, endurece o combate ao crime organizado. Logo, o texto prevê penas mais severas para grupos que dominam territórios, utilizam armas pesadas ou aliciam menores. Além disso, cria um banco de dados nacional sobre facções e permite a apreensão de bens durante as investigações.

Contexto regional e cenário político

Após a megaoperação no Rio de Janeiro, ocorrida no dia 28 de outubro, que deixou mais de 120 mortos, o governo da Argentina anunciou o envio de até 200 militares para reforçar a segurança na fronteira com o Brasil.

Enquanto isso, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, avalia que o PL Antifacção só deve avançar após a COP30. Segundo ele, o evento internacional abrirá espaço para o presidente Lula discutir o tema com Hugo Motta e possíveis ajustes entre os projetos. Governistas continuam rejeitando a ideia de equiparar facções ao terrorismo, temendo riscos de interferência estrangeira e de criminalização de movimentos sociais.