Solidão: um dos grandes males do século 21

Alexandre de Lima Olmos Por Alexandre de Lima Olmos
8 min de leitura

A solidão e o isolamento social se tornaram uma grande preocupação no século 21, e atualmente são objeto de pesquisa. Um grande exemplo é da revista científica The Lancet, referência na área da medicina, que anunciou em julho a criação de um comitê para estudar esses assuntos.

Nova iniciativa

Esse comitê pretende chegar a um consenso do que é a solidão, de como identificá-la e quais são as melhores formas de combatê-la, tendo bases científicas para chegar em uma conclusão.

Através de um artigo, os responsáveis pelos estudos apontaram as consequências da solidão, que afetam negativamente o corpo e a mente de quem sofre desse mal. Os especialistas apontam que a solidão pode elevar as chances de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, infecções, declínio cognitivo, depressão e ansiedade.

Essa observação de que a solidão pode prejudicar o corpo havia sido levantada em outro editorial, lançado em maio deste ano. Intitulado de “A Epidemia da Solidão e do Isolamento”, o Cirurgião Geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, comparou o sentimento de se sentir só ao ato de fumar 15 cigarros por dia, em termos de prejuízo à saúde.

Porém, essa não é a primeira iniciativa com foco em combater a solidão. No Reino Unido, em 2018, e no Japão, em 2021, foram criados os “Ministérios da Solidão”, com o propósito de acolher pessoas que sofrem de depressão, na tentativa de diminuir a taxa de suicídios nesses países.

Os estudos

No geral, um dos maiores problemas ligados à solidão está em identificá-la. Segundo Lucas Spanemberg, psiquiatra e pesquisador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o sentimento de solidão é individual e pode acontecer tanto com pessoas que estão isoladas quanto com pessoas que não se sentem conectadas dentro de grupos com outros indivíduos. Estar sozinho não significa necessariamente estar solitário.

O pesquisador também afirma que a solidão é uma sensação de desconexão, na qual o indivíduo sente que não faz parte de um grupo social. Esse sentimento leva a várias consequências emocionais e comportamentais, que por sua vez prejudicam a saúde física e mental.

Uma das pesquisas que comprova essa relação foi feita em 2010, na Universidade Brigham Young, em Utah, nos Estados Unidos. Esses estudos apontam que pessoas com relações sociais fortes têm 50% de chance a mais de sobreviver por mais tempo em comparação aos indivíduos que vivem mais isolados.


Grupo de jovens ao ar livre (Foto: reprodução/Dim Hou/Pixabay)


Spanemberg explica que a convivência humana é um fator essencial da nossa sobrevivência desde os primórdios. Segundo o especialista, os seres humanos evoluíram para viver em sociedade e participar de grupos, assim podendo crescer de maneira mais segura, sob a proteção de pessoas mais experientes e resistentes. Essa conexão é responsável pela existência de famílias, sociedades e países.

Por fim, o pesquisador usou como base uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard, em Cambridge, no Massachusetts, há mais de 80 anos. Os estudos apontaram que entre centenas de indivíduos, a maioria apontava a coesão social como o fator mais importante para a felicidade no final da vida, acima de sucesso financeiro e fama.

As causas

Antigamente, a solidão era vista como algo exclusivo de pessoas mais velhas, como se fosse um fenômeno exclusivo da terceira idade, conforme relatou a enfermeira Juliana Teixeira Antunes, do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, em Januária.


Homem idoso sozinho em um banco (Foto: reprodução/islandworks/Pixabay)


A perda de entes queridos contribui para esse problema, fazendo com que seja mais difícil para que os idosos se mantenham conectados com o mundo ao seu redor. Porém, a profissional de saúde explica que esse incômodo pode aparecer em qualquer fase da vida.

A solidão e seus efeitos na adolescência foi alvo de estudo de Antunes durante seu mestrado, que afirma que esse estágio da vida é caracterizado pelo convívio social, com foco na criação de vínculos e relações. Durante sua pesquisa, foi usado um levantamento com base em inquéritos epidemiológicos nacionais de 2015, que apontou uma taxa de 15,5% de adolescentes que diziam se sentir solitários na maior parte do tempo.

Segundo Antunes, um fator em comum era a relação desses jovens com seus pais. A violência familiar e o autoritarismo dos pais contribuíram para esse sentimento, enquanto os jovens que tinham boa relação com seus parentes tinham menos chance de sofrer com esse incômodo.

Na visão de Dorli Kamkhagi, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP), entre diversos fatores, o COVID-19 foi um dos responsáveis por esse foco recente no problema da solidão. Segundo ela, a pandemia forçou o isolamento social, e muitas das pessoas que passaram por essa fase não conseguiram voltar à normalidade.

Para os especialistas da The Lancet, a solidão acontece graças à forma como a sociedade e o mundo ao nosso redor estão organizados, apontando que muitas cidades criam ambientes propícios para a solidão.

Além disso, as redes sociais são outro fator para essa desconexão social. Muitos jovens preferem as interações on-line.

Por fim, o último fator foi o individualismo crescente decorrente da pobreza, além do racismo e da xenofobia. Diversos indivíduos ignoram o coletivo em busca de garantir a sua própria sobrevivência.

Possíveis soluções

Kamkhagi afirma que as pessoas devem focar em diferenciar a solidão de solitude, que é o ato de se isolar voluntariamente. Para a professora, ter momentos em que o indivíduo fique sozinho é importante, o problema nasce a partir do ponto em que esses momentos ocupam a maior parte do tempo dessa pessoa.

Spanemberg concorda com esse ponto de vista, apontando que a solidão passa a ser prejudicial quando experiências de bem-estar, como leitura ou contato com a natureza, são substituídos por padrões como a estadia permanente em casa ou o abuso de drogas. O psiquiatra ainda complementa afirmando que esses padrões são acompanhados de descuidos com a própria saúde e aparência, além da perda de autocuidado e a falta de paciência em interações sociais.

Uma das maiores dificuldades no processo é o ato de identificar esses padrões. Por vezes, a própria pessoa pode identificar, enquanto em outras ocasiões pode ser necessária a ajuda de outra pessoa. Caso o isolamento voluntário não seja tratado, o problema pode evoluir para quadros de ansiedade e depressão.

Por fim, Spanemberg recomenda uma avaliação e um acompanhamento com um psicólogo ou um psiquiatra, para que a pessoa possa se reintegrar aos círculos sociais gradativamente.

Foto destaque: Mulher sozinha em um comboio. Reprodução/Anja/Pixabay

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