Quem por acaso já teve a impressão de sair do consultório médico com a sensação de não ter sido escutado pelo profissional de saúde com a atenção merecida, e mais, quantas vezes o paciente é diagnosticado equivocadamente numa consulta, prejudicando o tratamento adequado à sua necessidade. Essa falha que pode custar a vida do paciente.
Lamentavelmente, ocorrências desse tipo acontecem todos os dias, elas são comuns, analisam cientistas que investigam os fatores responsáveis por essa conduta entre os médicos. O resultado desses comportamentos estão relacionados a preconceitos implícitos ligados à discriminação, preconceitos estruturados na sociedade, refletidos no atendimento de saúde.
As avaliações médicas equivocadas tem origem nos pressupostos que o profissional tem no subconsciente relacionados ao gênero, raça, aparência, orientação sexual e classe social. Todos esses fatores contaminam a relação médico paciente, abalando a experiência do ser humano que precisa do atendimento ambulatorial.
Um estudo conduzido pelas Universidades de Washington (UW) e da California, San Diego (UCSD), tem o objetivo de criar uma ferramenta que forneça relatórios aos médicos em tempo real, no momento do atendimento, ou logo em seguida, indicando o que pode ser feito para minimizar o preconceito estruturado em seu inconsciente.
Preconceitos ocultos atrapalham diagnóstico do médico. (Foto: Reprodução/RevistaScience).
O projeto acadêmico, conhecido como UnBIASED (Entendendo a interação tendenciosa entre paciente e médico, construindo um argumento melhorado, ou, Sem Preconceitos, traduzido), teve início a 5 anos, sendo pioneiro no combate aos impactos danosos na medicina, provocados por esse juízo de valor preconceituoso e inconsciente.
O que fazer para melhorar o atendimento
Para melhorar essa relação, a pesquisa propõe a criação de padrões de Educação e treinamento, inclusive o aperfeiçoamento de avaliações explícitas para aferir o sofrimento desses pacientes. O estudo visa conceder para médicos e hospitais instrumentos que possibilitem a diminuição desse viés inconsciente, tornando a consulta isenta de preconceitos.
“Estamos apenas analisando uma pequena fatia de como erradicar o viés implícito na assistência médica”, afirma Andrea Hartzler, biomédica da UW e líder do UnBIASED (Sem Preconceito, traduzido), custeado pela NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE. Ela complementa, “Vai ser preciso um baú de ferramentas de todos os tipos de intervenções diferentes”. Mudar essa prática vai exigir ir mais adiante do atendimento individual do enfermeiro ou do médico para chegar ao problema estrutural dentro das instituições que permitem esses preconceitos.
Preconceito estruturado
O preconceito estrutural dentro da sociedade é incomensural e afeta tudo o que diz respeito as relações humanas, prejudicando a maneira de percebermos as outras pessoas e seus comportamentos, isso acontece com todo mundo. Mesmo reconhecendo os preconceitos mais declarados que necessitam mudar, aqueles que nem você percebe são os que mais perturbam e influenciam seus pensamentos, interações, atitudes e decisões.
Esse juízo antecipado oculto é mais natural entre os profissionais dá área médica do que se imagina, constatou Janice Sabin, no término dos anos 2000. À época pesquisava, como Ph. D em bem-estar social. Para o estudo ela convidou 95 profissionais do Departamento de Pediatria do Seattle Children’s Hospital para fazerem uma avaliação que observaria se os mesmos possuíam esse preconceito escondido em relação a raça. Sabin quando viu o resultado disse, “fiquei apavorada”, atualmente ela é professora de informática biomédica na Universidade de Washington
Os mais prejudicados por esse viés inconsciente são as mulheres e pessoas de cor. (Foto: Reprodução/OGlobo).
Para chegar ao resultado, a cientista utilizou o famoso Teste de Associação Implícita (IAT, sigla em inglês), que aponta a intensidade que uma pessoa associa um atributo – orientação sexual ou raça – a uma qualidade subjetiva, do tipo ruim ou bom. Quanto maior a velocidade de correspondência entre conceito e valor subjetivo, maior é a associação. Essa característica mostra uma associação implícita aguda entre característica e valor.
O estudo também deixou evidente que alguns dos médicos testados possuíam uma inclinação clara e involuntária por pessoas de raça branca, preterindo as negras. O resultado da pesquisa foi um dos pioneiros à expor esse prejulgamento racial inconsciente entre os profissionais de saúde. “Foi meio assustador porque esse era um conceito completamente estranho para [muitas] pessoas na época”, declara Sabin.
A realização do Teste de Associação Implícita (IAT) é o modelo padrão para verificar a tendência desse preconceito escondido, mesmo sendo criticado, pois alguns entendem que o teste precisa ser executado mais de uma vez para a obtenção de uma resposta mais exata porque os resultados de uma pessoa podem ser diferentes a cada avaliação.
Não é só a raça que determina esse viés implícito, o estudo indica outros tipos de preconceitos inconscientes como, predileção a algumas religiões e orientação sexual. “Todos nós temos algum tipo de viés oculto”, lembra Sabin. Esse comportamento está presente em toda sociedade mas, na saúde, o viés acaba prejudicando o diagnóstico, interferindo diretamente na escolha do procedimento adequado ministrado ao paciente, aumentando as diferenças na saúde de mulheres, indivíduos de cor e grupos marginalizados.
Mesmo sendo criticado, o teste de associação implícita é um modelo para avaliar a situação. (Foto: Reprodução/CKZDiversidade).
Rachel Hardeman, cientista de igualdade em saúde reprodutiva do Centro de Pesquisa Anti-racismo para Equidade em Saúde da Universidade de Minnesota, conduziu um estudo em 2020, junto com outros profissionais, revelando que recem-nascidos da raça negra possuem o dobro de chances ao óbito quando estão sob a tutela de médicos brancos. Outro dado interessante foi mostrado num estudo de 2022, pessoas de cor e mulheres com dores no peito são obrigadas a esperar mais tempo para conseguirem atendimento nas salas de emergências, em relação aos brancos.
Como avaliar a dor com seriedade
O preconceito inconsciente dos médicos atrapalha na hora de avaliar o sofrimento do enfermo durante a consulta. Isso é uma evidencia clara do viés discriminatório escondido que debilita o atendimento às minorias, gerando um diagnóstico sem exames para determinar o sintoma, isso acontece com a dor. “A dor é subjetiva e a maneira como as pessoas mostram abertamente sinais de dor varia em diferentes culturas e identidades de gênero”, afirma a médica de emergência da Universidade da Pensilvânia, Kristyn Smith.
Pesquisas antecedentes apresentaram a tendência dos médicos a minimizar o sofrimento das pessoas de cor e das mulheres, desconsiderando suas reclamações. Simulações médicas narradas em 2016 através do Proceedings of the National Academy of Sciences (publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos), apontou que médicos residentes brancos estabeleceram que negros sentem menos dor que os pacientes brancos, por isso receitavam terapias aquém para os negros.
Essa percepção extrapola o campo da saúde. Estudo feito em 2021 descobriu que leigos apresentavam o mesmo comportamento em relação as dores de pacientes do sexo feminino, comparado com homens, indicando para elas tratamentos psicoterápicos, enquanto os homens recebem analgésicos.
Foto destaque: Reprodução/Uol.