Na contagem regressiva para o Halloween, o terror voltou a dominar não só a tela, mas também as passarelas. Filmes do gênero sempre foram fonte fértil para estilistas: o medo, o mistério e o sobrenatural oferecem imagens fortes, noivas ensanguentadas, bandagens, silhuetas espectrais, que viram tecido, corte e ornamento. A seguir, relembre 10 coleções que beberam diretamente das telas do cinema de horror e transformaram pesadelos em moda.
O cinema de horror fornece arquétipos visuais que os designers reconfiguram para a moda. A partir da cena, do figurino icônico ou da atmosfera onírica, surgem peças que oscilam entre o grotesco e o sublime. Miuccia Prada explora deslocamentos sutis do familiar; Alexander McQueen fez do macabro uma assinatura; curadores como Maya Rijubini e espaços como a Artemis Gallery aproximam moda, arte e horror em projetos conceituais.
10 coleções inspiradas pelo cinema de horror
McQueen transformou imagens de morte e renascimento em alta-costura: silhuetas dramáticas, manipulação do corpo e adereços que remetem a filmes góticos. O resultado é uma estética onde horror e elegância coexistem. A teatralidade vinha tanto do vestuário quanto da encenação. McQueen reunia cenografia, iluminação, trilha sonora e performance para compor narrativas visuais intensas; modelos deixavam de ser apenas manequins para encarnar personagens, noivas traumáticas, sacerdotisas modernas, figuras híbridas entre homem e animal.
Coleção de outubro de Alexander McQueen (Foto: reprodução/Instagram/@alenxandermcqueen)
A proposta de Miuccia é emocionalmente complexa. Suas peças não apenas cobrem o corpo; elas o interrogam. Ao deslocar o familiar, Prada nos convida a repensar o conforto estético, revelando que a moda pode ser um dispositivo para sentir a inquietação
Coleção da Miu Miu Fall 2023 por Miuccia Prada (Vídeo: reprodução/Instagram/@miumiu)
A coleção Spring 2023 de Versace revisitou o gótico Y2K com uma paleta escura pontuada por roxos e fúcsias, correntes, couro e muito brilho. Entre as imagens mais memoráveis esteve a “goth bride”: peças que misturavam tiaras e véus com couro, studs e metal mesh, criando uma noiva subversiva. Ao mesmo tempo, glamourosa e ameaçadora, que sintetiza a mistura de diva pop e atitude rock presente na visão de Donatella.
Coleção Versace Spring 2023 (Foto: reprodução/Instagram/@nickverreos)
Rodarte tem um jeito único de transformar conto de fadas em pesadelo delicado. As rendas finas, camadas de tule e bordados minuciosos parecem saídos de um armário feminino antigo, mas algo sempre está fora do lugar: manchas quase imperceptíveis, franjas que lembram tecido rasgado e aplicações que sugerem pequenas cicatrizes.
Coleção Rodarte 2025 (Foto: reprodução/Instagram/@rodarte)
O resultado é profundamente cinematográfico, cada vestido parece uma cena suspensa, como se tivesse acabado de interromper uma história triste. Há uma doçura artesanal ali, porém sempre atravessada por melancolia; a beleza não afasta o desconforto, pelo contrário, o faz reverberar. É essa ambivalência, ser ao mesmo tempo, frágil e inquietante, que torna o trabalho do Rodarte tão comovente e humano.
Coleção Rodarte 2025 (Foto: reprodução/Instagram/@rodarte)
Riccardo Tisci para Givenchy consolidou um romantismo gótico onde a devoção e a transgressão se encontram. As coleções trazem rendas intrincadas, saias volumosas e texturas ricamente bordadas, mas sempre temperadas por uma sensibilidade sombria, crucifixos reinterpretados como joalheria conceitual, véus estilizados que cobrem e revelam ao mesmo tempo, e cortes que evocam hábito religioso ou traje funerário.
Tisci joga com iconografia sagrada e profana, criando figurinos que poderiam muito bem existir nas telas de um épico de terror gótico: personagens que habitam igrejas decadentes, capelas vazias e corredores iluminados por velas. O resultado é uma elegância ameaçadora, onde a estética romântica se contamina pelo mistério e pela tensão dramática.
Givenchy por Riccardo Tisci 2005-2017 (Foto: reprodução/Instagram/@fftymag)
A Maison Margiela faz da desconstrução uma linguagem quase visceral: bandagens, sobreposições e tecidos remendados que lembram curativos e pele costurada. Em vez de só mostrar técnica, as roupas parecem ter vida própria, peças desmontadas e remontadas deixam costuras, forros e camadas expostas como se revelassem a história de um corpo.
Maison Margiela Artisanal 2024 (Foto: reprodução/Instagram/@maisonmargiela)
A paleta contida e os volumes inesperados criam uma sensação de fragilidade íntima, como quem carrega cicatrizes traduzidas em tecido. Há beleza nessa imperfeição: a roupa vira uma pele alternativa que guarda memórias, feridas e resistências, e a passarela se transforma num lugar onde laboratórios, asilos e filmes sombrios encontram uma expressão humana e comovente.
Coleção O corpo como campo de batalha (Foto: reprodução/Instagram/@gastt_fashion)
Robert Wun vem trabalhando o terror como forma de storytelling visual, seja em peças couture inspiradas em noivas pós-apocalípticas, seja em coleções que empregam máscaras, maquiagem dramática e silhuetas deliberadamente corrompidas. Sua moda não busca apenas chocar, ela constrói personagens. Máscaras que ocultam expressões, tecidos manchados e cortes assimétricos compõem figuras que parecem saídas de filmes de monstros psicológicos, onde a ameaça é tanto externa quanto íntima.
Alta-costura de Robert Wun (Foto: reprodução/Instagram/@robertwun)
A teatralidade das passarelas de Wun (iluminação, styling e apresentação) reforça esse clima: cada look é um quadro que narra trauma, transformação ou sobrevivência. Assim, o horror vira linguagem narrativa, e o desfile funciona como curta-metragem de moda onde imagem, som e roupa contam uma mesma história inquietante.
Alta-costura de Robert Wun (Vídeo: reprodução/Instagram/@robertwun)
A coleção de Karl Lagerfeld para Chanel Spring 2017 transformou o Grand Palais num gigantesco “data centre”: cabos, monitores e estética high-tech serviram de cenário para looks que mesclavam o clássico tweed da maison com um humor robótico. Modelos com maquiagem metálica, elementos LED e silhuetas que lembravam androides levaram a noção de futurismo íntimo às passarelas, traduzindo a era digital numa versão luxuosa e performática da feminilidade Chanel.
Chanel Spring 2017 (Foto: reprodução/Instagram/@chanelfrenchboy)
Projetos curatoriais e colaborações entre galerias e estilistas elevam figurinos inspirados no cinema de horror a instalações, aproximando moda, performance e arte contemporânea. As colaborações também abrem espaço para experimentos técnicos e conceituais. Estilistas são convidados a pensar peça a peça como escultura, artistas visuais exploram costura, bordado e materialidade, performers habitam as roupas e prolongam sua história.
Anitta usando a marca brasileira Artemis (Foto: reprodução/Instagram/@styleofanitta)
A coleção Haute Couture outono 2007 da Dior, assinada por John Galliano, foi uma ode teatral ao universo rococó e à figura de Marie Antoinette. Apresentada com grande pompa nas celebrações do aniversário da maison, a passarela trouxe vestidos exuberantes com crinolinas e paniers exagerados, bordados barrocos, rendas, brocados e paleta de pastéis e dourados.
Haute Couture outono 2007 da Dior (Foto:reprodução/Instagram/@thefashionql)
Por que a aposta funciona
O horror traz uma iconografia imediata e emocional. Transformar sangue, sombra e cicatriz em textura, cor e volume cria peças que evocam reação (fascínio ou repulsa) e, por isso, se prestam a narrativas de marca, editoriais e performances. A moda usa o terror tanto para chocar quanto para provocar reflexão sobre corpo, identidade e tabus.
Coleções inspiradas em contos de horror (Foto: reprodução/Instagram/@karmapositivo)
Do minimalismo inquietante de Prada às encenações teatrais de McQueen, o cinema de horror provou ser uma mina estética para a moda. Neste Halloween, as passarelas e vitrines celebram essa relação: não apenas por gosto pelo macabro, mas pela capacidade do horror de revelar camadas ocultas do comportamento humano e claro, de transformar pesadelos em imagens memoráveis.
