Miu Miu aposta em aventais para o desfile de primavera

A estilista, que já é conhecida pela sua narrativa de escolher abordar os temas femininos de forma subversiva e irônica, elegeu a peça como o centro do desfile não por acaso. A italiana visou trazer reflexão sobre a peça, representando a força de trabalho feminino muitas vezes invisibilizada e qual é o papel da mulher na sociedade.

As peças

Miuccia Prada afirmou nos bastidores do desfile que a inspiração para a coleção foi o trabalho de duas fotógrafas, Dorothea Lange e Helga Paris, elas se inspiraram no trabalho feito pelas mulheres entre as décadas de 1920-1930. A estilista ainda disse ter escolhido o avental como uma crítica, representando as barreiras enfrentadas pelas mulheres.


Look Miu Miu primavera/verão 2026 (Foto: Reprodução/Peter White/Getty Imagens Embed)

Nessa coleção o avental aparece de diversas formas, em couro estruturado, bordado, com pedrarias e até rendado.


Vestido/avental rendado Miu Miu primavera/verão 2026 (Foto: Reprodução/Peter White/Getty Imagens Embed)

As estampas e babados dos anos 1950-1960 também ganharam seu lugar na mesa, literalmente, algumas estampas lembram as toalhas de mesa usadas nessa época, e claro, tudo proposital.


Miu Miu primavera/verão 2026 (Foto: Reprodução/Getty Imagens Embed/Peter White)

A ironia de Miuccia Prada

A estilista apresenta a coleção no melhor estilo Miuccia de ser, com muita ironia e crítica social. Os aventais, segundo a própria estilista, representam, para ela, a dificuldade enfrentada pelas mulheres: “Para mim, o avental encapsula a dificuldade das nossas vidas ao longo da história, das fábricas ao lar”.

Porém, outras interpretações também surgiram. Se levarmos em conta o cenário político mundial atual, o conservadorismo tem ganhado espaço e é perceptível nos estilos de conteúdos que vêm sendo criados e que mais chamam a atenção.

O termo “Trad Wife” – em tradução livre, seria algo como “esposa tradicional” – vem sendo muito usado nas redes sociais, e serve para se referir as esposas tradicionais dos anos de 50, mulheres que ficavam em casa cuidando do lar e dos filhos, visuais que permeiam o imaginário popular e colocam a mulher como submissa. 

E Miuccia Prada sabe disso, ela transforma o avental, um símbolo de submissão, em um símbolo de empoderamento feminino, fugindo do olhar masculino, que coloca a mulher como símbolo de desejo e a transforma na protagonista da própria narrativa.

Miu Miu transforma o avental em símbolo de poder e reflexão sobre o trabalho feminino no verão 2026

A Miu Miu apresentou, no verão 2026, uma coleção que se destaca não apenas pela forma, mas pela profundidade de seu discurso. O desfile conduzido por Miuccia Prada transforma a passarela em um espaço de reflexão sobre esforço, propósito e valor — conceitos que dialogam diretamente com a pergunta central da coleção: qual é a importância do trabalho, e sobretudo, do trabalho feminino?

Mais do que um exercício estético, a proposta de Prada é um manifesto silencioso sobre o fazer — sobre as mãos que costuram, cuidam, limpam e criam, sustentando o mundo com gestos cotidianos e, muitas vezes, invisíveis. 

Peça carregada de significados

A narrativa se estabelece logo no primeiro look, desfilado pela atriz Sandra Hüller, com o avental como protagonista. O símbolo do trabalho doméstico e artesanal ganha novo significado: transforma-se em emblema de resistência, dignidade e poder.

O avental, presente em cozinhas, oficinas, ateliês e hospitais, torna-se o símbolo do fazer feminino — uma ponte entre o privado e o público, o utilitário e o estético. Ao trazê-lo para o universo do luxo, Prada questiona a hierarquia das roupas e o que a sociedade escolhe valorizar.

O trabalho, em sua forma mais pura, é apresentado como ato de resistência e criação. A coleção celebra o gesto, o processo e o esforço, transformando a moda em espaço de reconhecimento e dignidade. Em tempos em que o luxo busca novos significados, o olhar de Prada aponta para o real: para as mãos que constroem, lavam, costuram, cozinham e cuidam.


Atriz Sandra Hüller no desfile Miu Miu verão 2026 (Foto: reprodução/Getty Imagens Embed/Peter White)  

Entre o utilitário e o poético

Na passarela, o avental assume múltiplas identidades. Bordado com cristais, confeccionado em renda, lona crua ou couro industrial, ele revela a dualidade entre fragilidade e força, entre leveza e rigidez, entre o gesto de cuidar e o de criar. Cada versão carrega uma história — uma memória ancestral do trabalho feminino, muitas vezes não contada, mas essencial para a sustentação do mundo.


Desfile Miu Miu verão 2026 (Foto: reprodução/Getty Imagens Embed/ Victor Virgile) 

As referências às fotógrafas Dorothea Lange e Helga Paris, conhecidas por documentar a dignidade do cotidiano, reforçam o caráter político da coleção. Assim como suas imagens eternizam a beleza nas mãos calejadas e nos rostos marcados pelo tempo, Prada traduz essa estética em tecidos e cortes que homenageiam o real. A passarela torna-se um espelho da vida — e o luxo, um espaço de crítica e empatia.

Ao reconfigurar o lugar do avental, Miuccia Prada também propõe um novo tipo de glamour: aquele que nasce da imperfeição e do esforço. O luxo não está mais na opulência, mas na autenticidade; não na ostentação, mas no reconhecimento do humano. O avental, esse objeto cotidiano e aparentemente banal, transforma-se em símbolo de poder silencioso, uma bandeira da resistência feminina através do tempo.


Desfile Miu Miu verão 2026 (Foto: reprodução/Getty Imagens Embed/ Peter White)

Um gesto revolucionário

No fim, o desfile da Miu Miu é mais do que uma coleção — é uma homenagem. Uma celebração das mulheres que, com trabalho e cuidado, sustentam lares, comunidades e indústrias. O avental, agora elevado à categoria de luxo, é o instrumento de uma revolução simbólica: a valorização do fazer feminino como gesto de arte e sobrevivência.

Em uma era em que a moda busca sentido, Miuccia Prada oferece uma resposta poderosa: reconhecer o trabalho — e principalmente o trabalho das mulheres — como o verdadeiro fundamento da beleza. Se o avental é hoje um objeto de desejo, talvez o gesto mais transformador seja enxergar, enfim, o valor de quem sempre o vestiu.