Os protestos que começaram no último sábado, no final de setembro, ganharam intensidade ao longo dos dias e tiveram seu ponto mais violento na noite de quarta-feira (1º), quando ocorreram as primeiras mortes confirmadas.
Em Lqliaa, a cerca de 470 km de Rabat, duas pessoas morreram e outras ficaram feridas após policiais abrirem fogo contra manifestantes que, segundo autoridades locais, tentavam roubar armamentos. Já na região metropolitana da capital, grupos incendiaram carros e edifícios e depredaram lojas.
Nesta quinta-feira (2), o primeiro-ministro Aziz Akhannouch informou que o número de mortos subiu para três, sem detalhar onde ocorreu o novo óbito. O Ministério do Interior divulgou ainda que os protestos já deixaram 354 feridos — sendo 28 civis e 326 membros das forças de segurança — e pelo menos 409 manifestantes presos. O movimento, batizado de GenZ 212, em referência ao código telefônico do país, cresceu rapidamente nas últimas semanas e já alcançou cidades como Rabat, Casablanca, Agadir e Oujda.
Estopim: mortes em hospital público e falta de infraestrutura
O Marrocos vive uma onda de protestos de grandes proporções, marcada pela mobilização espontânea e descentralizada de jovens da chamada “Geração Z”, que utilizam plataformas digitais como TikTok, Instagram e Discord para convocar manifestações e compartilhar denúncias de descaso social.
O estopim da revolta, segundo organizações locais, foi a morte de oito mulheres grávidas em um hospital público de Agadir, evento que expôs a precariedade dos serviços de saúde e a carência estrutural de profissionais, medicamentos e equipamentos; para os manifestantes, esse episódio simbolizou a negligência do Estado em áreas essenciais, contrastando diretamente com os altos investimentos direcionados para obras relacionadas à Copa do Mundo de 2030, da qual o Marrocos será um dos países-sede.
“GERAÇÃO Z” TOMA AS RUAS DE MARROCOS
1 – Depois do Quénia, Nepal e Madagáscar, agora é a vez de Marrocos. A “Geração Z” tomou as ruas e já há quatro dias que escala montanhas — a situação é caótica.
2 – A violência é tanta, mas os jovens não recuam. Até ao momento, as… pic.twitter.com/nurAkPW57d
— César Chiyaya (@cesarchiyaya) October 1, 2025
Matéria sobre os protestos da Gen Z (Foto: reprodução/X/@BandJornalismo)
Confrontos violentos e vítimas em Lqliaa
A situação ganhou contornos ainda mais dramáticos quando, na cidade de Lqliaa, próxima a Agadir, manifestantes tentaram invadir uma guarnição da gendarmaria, resultando em um confronto violento que envolveu incêndios, ataques ao prédio e tentativas de roubo de armamentos.
A resposta das forças de segurança foi imediata, com uso de gás lacrimogêneo, dispersões forçadas e disparos de armas de fogo, que culminaram em pelo menos duas mortes confirmadas e dezenas de feridos, evidenciando a gravidade do cenário e a escalada da repressão estatal.
De acordo com balanços oficiais e de organizações civis, mais de 400 pessoas já foram detidas desde o início das manifestações, incluindo menores de idade, enquanto aproximadamente 300 indivíduos ficaram feridos em diferentes cidades, entre manifestantes e policiais
Além disso, os protestos deixaram um rastro de destruição, com veículos incendiados, agências bancárias depredadas e prédios públicos e privados afetados, provocando forte repercussão nacional e internacional.
Governo nega relação com Copa e promete reformas
O governo marroquino, pressionado pela repercussão negativa, afirmou em comunicados oficiais que reconhece a gravidade das demandas sociais e manifestou intenção de abrir canais de diálogo com os manifestantes, prometendo investimentos em saúde e educação.
Ao mesmo tempo, no entanto, negou que os bilhões destinados à construção e renovação de estádios para a Copa estejam comprometendo os serviços básicos da população, alegando que parte significativa dos problemas foi herdada de administrações anteriores e não pode ser resolvida de forma imediata.
Organizações internacionais e entidades de defesa dos direitos humanos criticaram duramente o que consideram uso excessivo da força pelas autoridades, pedindo apuração das mortes, revisão das prisões e garantias do direito de protestar de forma pacífica.
Especialistas alertam que a persistência dos jovens nas ruas, aliada ao uso das redes sociais como ferramenta de mobilização em tempo real, pode aumentar a instabilidade no país caso não haja respostas concretas, ao passo que reformas estruturais e políticas inclusivas poderiam representar um caminho para reduzir tensões e restaurar a confiança da população.
