O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (11), por 437 votos a 7, a cassação do mandato da deputada Flordelis (PSD-RJ). Outros 12 deputados se abstiveram de votar.
Flordelis dos Santos de Souza, de 60 anos, é acusada de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019. O processo criminal ainda não foi julgado, mas os deputados consideraram que a atuação da parlamentar ao longo do caso feriu o Código de Ética da Câmara.
Por 437 votos a 7, Câmara aprova cassação do mandato da deputada Flordelis, por quebra de decoro parlamentar. (Foto: Reprodução/O GLOBO)
Eram necessários, pelo menos, 257 votos favoráveis à cassação para a perda do mandato.
A deputada é ré na Justiça, acusada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de ter mandado matar o marido. Flordelis responde por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada.
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A deputada nega participação no crime, e se diz vítima de uma injustiça e que o caso ainda não foi analisado pela Justiça.
Em setembro do ano passado, a Justiça do Rio determinou que Flordelis passasse a usar tornozeleira eletrônica. Relatório da SEAP (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária) do Rio apontou que a bateria do objeto terminou por 11 vezes, o que é considerado como violação ao uso do equipamento.
Cassação
A cassação do mandato de Flordelis já havia sido aprovado pelo Conselho de Ética da Câmara em junho, mas a palavra final coube ao plenário da Casa.
O relator do processo, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), considerou que as provas já obtidas, em mensagens e depoimentos, mostram que a deputada teve participação ativa no planejamento da morte de Anderson do Carmo.
Manifestações do relator
Como relator, Alexandre Leite foi o primeiro a falar sobre o caso na sessão desta quarta. Inicialmente, disse que a decisão sobre a eventual participação de Flordelis no assassinato não será tomada pela Câmara – e sim, pelo Tribunal do Júri que analisar o caso na Justiça do Rio.
Deputado Alexandre Leite (DEM-SP). (Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados)
O relator Alexandre Leite afirmou, ainda no plenário, que Flordelis não está sendo acusada, na Câmara, se mandou matar ou não seu marido. Mas por outras questões, como uso do prestígio de deputada para induzir o filho assumir o assassinato e depois atuaria em tribunais superiores para livrá-lo de uma condenação.
“Aqui, nós nos ativemos às questões meramente ético-disciplinares que regem o mandato parlamentar”, resumiu Leite.
Para o relator, a deputada usou o mandato para coagir testemunhas e ocultar provas. Flordelis também teria se utilizado da função parlamentar para ocultar provas e obstruir investigações, além de ter mentido ao Conselho de Ética.
“[Tentou] obstruir as investigações com teses de latrocínio, confundindo a polícia, direcionando a polícia em caminhos diversos daqueles em que, de fato, encontrariam a verdade dos fatos”, afirmou.
Leite também fez a leitura de mensagens atribuídas a Flordelis, e descobertas ao longo das investigações no Rio de Janeiro, que revelam “a frieza” da parlamentar.
“Faço a leitura de alguns trechos destacados na página 14 do parecer da quebra de sigilo telemático a mostrar a frieza com que a Deputada tratava em suas mensagens telefônicas seus filhos, outros interlocutores, todas essas juntadas nos autos, entre aspas: ‘Fazer o quê? Separar eu não posso, porque não posso escandalizar o nome de Deus, isso não. Mas vou encontrar um jeito, uma saída'”, destacou o relator.
“O relacionamento entre a deputada e o seu ex-marido, perante as conversas interceptadas, já vinha de longo tempo, de longa data em maus caminhos, e mal encaminhado, até que tomasse esse fim trágico”, acrescentou Leite.
Ele destacou ainda que Anderson Gomes foi morto com 30 tiros, que teriam sido efetuados por um dos filho da parlamentar, chamado Flávio. Nove disparos atingiram a região da genitália do pastor, narrou o relator.
“Os nove tiros, como podem ver, se encontram em área concentrada da região pélvica do pastor Anderson do Carmo, ou seja, a vítima já havia, muito provavelmente, parado de se contorcer. Este foi o nível da crueldade deste crime”, disse Leite.
Ao final do seu pronunciamento, o relator afirmou que as provas coletadas demonstram que “a representada tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”.
Ele a acusou ainda de falseamento da verdade, ao negar a compra da arma do crime. O relator entende que Flordelis era a única pessoa da família com recursos financeiros para pagar R$ 3,5 mil na aquisição da arma do crime.
Flordelis se defende das acusações
Flordelis falou após o relator, disse que o parecer foi baseado em “palavras sem provas” e defendeu sua inocência em relação ao crime.
“Se caso eu sair daqui hoje, eu saio de cabeça erguida porque eu sei que sou inocente e todos saberão que eu sou inocente. A minha inocência será provada. Vou continuar lutando para garantir a minha liberdade, a liberdade dos meus filhos e da minha família, que está sendo injustiçada também com tudo o que está acontecendo. A minha família está sofrendo. A minha família está sendo julgada”, declarou Flordelis.
Em outro momento, a deputada disse que filhos dela “erraram” – mas não todos.
“Houve filhos meus que erraram, mas não foram todos. Mas toda a minha família está sendo criminalizada. Eu não posso e não devo pagar pelos erros de ninguém. A Flordelis que está aqui está destruída”, afirmou.
Ela também frisou que ainda não foi julgada pela Justiça e que os parlamentares estavam cassando alguém que não passou por julgamento. A deputada também apelou para a religião para tentar sensibilizar os colegas.
“Desconstruíram a minha imagem me chamando de frequentadora de casa de suingue, porque não encontram provas contra mim, porque não existem provas contra mim, porque eu sou inocente. Desconstruíram a minha imagem me chamando de feiticeira. São coisas que eu não sou. Eu sirvo a um Deus que é Deus de Abraão, Isaque, Jacó e meu também”, afirmou.
Defesa de Flordelis se manifesta
Advogado de Flordelis, Jades Marques disse que a parlamentar era totalmente apaixonada pelo pastor Anderson do Carmo e vítima dessa paixão. Ele também fez acusações contra o falecido, que, segundo o advogado, era um “estuprador”, que abusava das próprias filhas do casal.
A defesa de Flordelis também pediu que os deputados aprovassem alguma alternativa à perda definitiva do mandato. Como opção, sugeriram uma suspensão de seis meses até que a deputada fosse julgada pelo Tribunal do Júri.
Primeira mulher a ter o mandato cassado
Flordelis foi a primeira deputada cassada pelo plenário da Câmara desde a criação do Conselho de Ética, vinte anos atrás. É o oitavo caso de um parlamentar que teve a perda do mandato aprovado no conselho e confirmado no plenário nessas duas décadas. A expressiva votação que recebeu a torna a terceira mais votada entre esses oito, com seus 437 votos.
Ela fica atrás apenas do Natan Donadon (sem partido-RO), cassado em 2014 com 467 votos, e para Eduardo Cunha, cassado em 2015, com 450 votos. Na sequência de mais votados aparecem: André Vargas (PT-PR), com 359 votos, em 2015; Roberto Jefferson (PTB-RJ), com 313 votos, em 2005; André Luis (MDB-RJ), com 311 votos, em 2004; José Dirceu (PT-SP), com 293 votos, em 2005; e Pedro Corrêa (PP-PE), com 261 votos, em 2006.
Pr. Anderson do Carmo e Flordelis. (Foto: Reprodução/Isto É)
(Foto destaque: Câmara aprova cassação do mandato da deputada federal Flordelis, acusada de mandar matar o próprio marido. Reprodução/Extra Online).